Objetificação por um vestido rosa: o que mudou 15 anos após o caso Geisy Arruda
O dia 22 de outubro de 2024 marca 15 anos desde que a então estudante de turismo, Geisy Arruda, na época com 20 anos, optou em ir à faculdade com um vestido curto de malha rosa, adquirido por R$ 50 reais em uma liquidação.
A escolha pela peça, no entanto, mudou – para sempre – a vida da jovem que além de ser hostilizada por outros alunos, também foi perseguida e precisou ser retirada da Universidade Bandeirante (Uniban), em São Bernardo do Campo (SP), sob escolta policial.
Mesmo diante das limitações tecnológicas da época, não demorou muito para que vídeos do ocorrido rapidamente viralizassem no YouTube, escancarando assim as diferentes formas de assédio contra mulheres no país, especialmente num período em que a violência de gênero não era tão efervescente entre as pautas da agenda feminista e em dicussão na sociedade.
Em conversa com a CNN, a psicóloga clínica Ana Clara Almeida, doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento, lembra que, há 15 anos, tanto a internet quanto as redes sociais não eram tão difundidas. Neste cenário, possíveis movimentos que poderiam prestar apoio à Geisy não tiveram espaço necessário.
“Nos dias atuais, provavelmente ela não seria expulsa, apenas mal vista por algumas pessoas. O vestido rosa e curto mostrou quais papéis femininos o patriarcado aceita que seja desempenhado pelas mulheres, a depender do ambiente referenciado”, afirma.
Já a advogada Gabriela Manssur, ex-Promotora de Justiça e referência no combate da violência contra a mulher, também acrescenta que, historicamente, a vestimenta feminina traz insights aos desejos obscuros masculinos.
“É o que chamamos de objetificação do corpo da mulher. Mas, obviamente esse olhar intrusivo não acontece apenas quando nós estamos com roupas curtas e decotes”, pontua à CNN.
“Eu entendo que é necessário utilizar o bom senso, o equilíbrio e o conforto em todos os momentos, em contraponto também me questiono se a cultura imposta a nós, mulheres, não seja excessiva, para nos regular, nos colocar em uma caixa, para nos dizer como devemos nos vestir”, acrescenta.
15 anos depois de Geisy Arruda, o que mudou?
Se hoje a roupa de Geisy Arruda não carece de adjetivos, em 2009 a visão poderia ter sido a mesma. Afinal cabe a quem definir o que é certo ou errado? O que moral ou imoral? Curto ou longo, branco ou rosa?
Frente às leis que respaldam as mulheres, a jurista cita que o episódio polêmico e desproporcional, revelou a importunação sexual, hoje considerada crime (art. 215-A do Código Penal). “É o preâmbulo da cultura do estupro, meninas e mulheres vistas como objeto sexual, como uma coisa, como uma propriedade para o desfrute do homem”.
Para Ana Clara Almeida, rever a situação – nos dias atuais – fica claro que, para muitas mulheres, o que foi feito com a vítima se deu como uma violência absurda. Contudo, em 2009, a hostilização geral parece ter tido mais força do que a percepção do machismo na ação coletiva.
“Naquela época, a Geisy foi colocada em um lugar de quem ‘rouba’ maridos e namorados, tirando toda a responsabilidade dos homens, exatamente como acontece ainda hoje”, entrega. “O efeito causado pela expulsão e seus motivos são vistos com mais clareza, e a crítica sobre isso é muito maior nesse momento”, garante a psicóloga.
Mesmo diante dos avanços – existentes, mas lentos – os crimes sexuais, conforme conta Gabriela, ainda representam um grande tabu social. “As mulheres têm muito medo e vergonha de denunciar, e os homens, por muitas vezes, naturalizam os crimes porque não possuem uma educação substancial com perspectiva de gênero para assimilar o não consentimento”, explica.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em julho, foram 1467 mortes por razões de gênero entre 2023 até a metade deste ano. Além disso, mais de 83 mil denúncias de estupros foram registradas, o que equivale a um caso a cada seis minutos; enquanto o Governo Federal também recebeu uma média de 2 denúncias de assédio sexual por dia.
Debates e escuta ativa: quais avanços necessários?
Ana e Gabriela concordam que, para além do debate na esfera pública, a comunicação efetiva só se faz a partir de mudanças sólidas e consistentes. “Os coletivos de mulheres possuem papel crucial nessa empreitada de avançar e não retroceder, não vamos dizer que é fácil, pois a violência de gênero perpassa todos os níveis da sociedade”, admite a psicóloga.
“Se fala muito em liberdade com sentimento, e se discute pouquíssimo sobre ações efetivas que realmente buscam ajudar mulheres a se libertarem das amarras do machismo”, critica Clara.
“Enquanto elas não ocuparem espaços de poder de forma generalizada, tanto na política, quanto na educação e até mesmo nos espaços conservadores, a situação da Geisy continuará acontecendo de forma disfarçada, a partir de ações que são quase invisíveis aos olhos da sociedade patriarcal”, conclui.
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