Saúde

Gripe aviária está a uma mutação de infectar células humanas


GABRIEL ALVES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Uma única mutação no vírus H5N1, causador da gripe aviária, permite que o patógeno se ligue a células humanas. A descoberta, publicada por cientistas dos EUA na última edição da revista Science, levanta preocupações sobre a possibilidade de o vírus evoluir para uma versão capaz de se transmitir entre humanos, o que poderia desencadear surtos e epidemias.

Os vírus influenza têm em sua superfície uma proteína chamada hemaglutinina. Como todas as proteínas, a hemaglutinina é constituída de elementos estruturais ainda menores, chamados aminoácidos. A mutação que os cientistas exploraram é a Q226L, ou seja, a que substitui o aminoácido glutamina (Q) que ocupa a posição 226 por um aminoácido leucina (L).

A alteração na estrutura da hemaglutinina é de tal forma que ela passa a interagir muito mais fortemente com receptores humanos. Felizmente, contudo, não há indícios até o momento de que essa mudança tenha ocorrido espontaneamente ou que ela seria, por si só, suficiente para desencadear uma pandemia.

Mutações adicionais seriam necessárias para que o vírus se replicasse e espalhasse eficientemente entre humanos. A possibilidade de o patógeno se transformar nesse sentido é uma preocupação para os pesquisadores.

“Nossos experimentos revelaram que a mutação Q226L pode aumentar significativamente a capacidade do vírus de se direcionar e se ligar aos receptores do tipo humano, dando ao vírus uma base nas células humanas que ele não tinha antes, e é por isso que essa descoberta é um alerta para possível adaptação aos humanos”, diz James Paulson, pesquisador do Scripps Research e um dos autores do estudo, em nota divulgada pela instituição.

Para Maurício Lacerda Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina de Rio Preto, é possível que, ao mesmo tempo que o vírus ganha essa habilidade, outras, como uma alta capacidade de replicação, sejam perdidas. “Não dá para saber, apenas com essa alteração, se o vírus se tornou mais patogênico para humanos. O grupo fez um bonito trabalho de biologia estrutural no qual eles estudaram uma única proteína do vírus, que interage com a célula, e mostrou que há esse risco.”

Após a ligação ao receptor é que o vírus consegue invadir a célula e sequestrar seu maquinário de forma a desviá-la de suas funções (como combater invasores ou produzir hormônios) para torná-la uma fábrica de novos vírus, desencadeando as consequências da virose.

A descoberta acende o alerta para que a vigilância epidemiológica esteja preparada para detectar patógenos perigosos rapidamente, a fim de que medidas de contenção e combate ao vírus possam ser tomadas antes que ele se alastre pela população.

Vale lembrar que o vírus H5N1 2.3.4.4b, no qual a mutação Q226L foi identificada, já demonstrou sua capacidade de infectar uma variedade de hospedeiros. “Já faz mais de dez anos que nós estamos preocupados com a influenza H5N1. Esse vírus, nos últimos anos, tem se disseminado para além das aves.

Ele chegou a mamíferos marinhos no sul do Brasil e no Peru”, diz Nogueira.

O vírus também se espalhou rapidamente em gado leiteiro nos EUA, levando a várias infecções humanas.

Esse amplo espectro de hospedeiros aumenta as chances de o vírus sofrer mutações e evoluir para uma forma transmissível entre humanos.

“Esse é um vírus que na forma aviária é extremamente patogênico, com uma mortalidade muito alta. Se esse vírus se adaptar à população humana, uma eventual pandemia pode ter um impacto enorme”, diz Nogueira.

“Monitorar mudanças na especificidade do receptor, ou seja, a forma como o vírus reconhece células hospedeiras, é crucial porque a ligação ao receptor é um passo fundamental para a transmissibilidade; entretanto, mutações nos receptores, por si só, não garantem que o vírus será transmitido entre humanos, mas continuar acompanhando as alterações genéticas à medida que ocorrem nos dá uma vantagem para nos prepararmos para sinais de transmissibilidade aumentada e entender quais mutações devemos observar e como responder adequadamente”, explica Ian Wilson, colega de Paulson no Scripps Research.

Em julho, a OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciou uma iniciativa de transferência de tecnologia para que países de média e baixa renda possam desenvolver vacinas contra o H5N1. Uma das tecnologias em questão é a vacina de mRNA. A empresa argentina Sinergium Biotech deve conduzir o projeto.

Já no Brasil, o Instituto Butantan fez o pedido à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para iniciar estudos clínicos de fase 1 e 2 com intenção de mostrar segurança e capacidade de gerar anticorpos de um imunizante contra influenza H5N8 (também de alto potencial patogênico). Por causa das notícias recentes, a H5N1 foi incluída pelo instituto em estudos pré-clínicos.


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