Inovação impulsiona mercado bilionário de superdrones
A equipe da startup brasileira Psyche está até agora em clima de festa de Ano Novo. Em janeiro, após três anos de trabalho, os drones da empresa foram contratados para prestação de serviços em Mato Grosso, na produção de soja, o segmento mais rico e poderoso do agronegócio. A Psyche conseguiu construir e pôr no ar, com custo competitivo, o maior drone nesse segmento, o Harpia P-71, com capacidade de carregar 400 quilos — mais de dez vezes a capacidade dos drones civis fabricados em série. Mas os brasileiros não estão festejando sozinhos.
A startup americana Rotor Technologies, outra novata, com quatro anos de vida, começa a vender em 2025 o drone Sprayhawk, um gigante que pesa 670 quilos. O equipamento, também destinado ao agronegócio, encontra-se à disposição para encomendas em dois mercados, Estados Unidos e Brasil. A festa continua na Suíça: a startup Dufour conseguiu em janeiro o primeiro voo autônomo completo, com recarga de baterias em pleno ar, de seu drone de carga Aero2, outro colosso, com 6 metros de envergadura. Os indianos não deixaram por menos. A Scandron, fundada em 2022, apresentou em fevereiro seu CargoMax 20KHC, que promete levar cargas de 200 quilos a altitudes de 6 000 metros, inatingíveis pela maioria dos concorrentes. Bem-vindo à era dos superdrones.
Drones ou UAVs (veículos aéreos não tripulados, na sigla em inglês) comerciais ganharam as primeiras regulações nos anos 2000 e viraram mercado de gente grande na década passada. Devem ser fabricados mais de 5 milhões desses equipamentos em 2025, segundo o Teal Group, consultoria especializada no setor aeroespacial. O total de vendas de 2022 a 2026 deve chegar a 35 bilhões de dólares, com crescimento de 7% ao ano. Duas tendências, porém, vêm deixando o setor ainda mais aquecido.
Em primeiro lugar, o cardápio de serviços prestados cresce sem parar. Isso decorre da melhoria dos sistemas de controle, da autonomia dos motores elétricos e da inteligência artificial, assim como da difusão das redes 5G. Essa combinação torna os drones confiáveis em situações variadas, com e sem controle humano, ao alcance da visão do piloto ou fora dela.

Até agora, esses equipamentos haviam se concentrado principalmente em fazer imagens e monitoramento para clientes do agronegócio e de setores que precisam inspecionar infraestrutura, como energia, telecomunicações e saneamento. Essas máquinas são parentes próximos dos drones recreacionais, que fazem fotos e vídeos comuns. As novas frentes de negócio estão em serviços bem diferentes, incluindo dedetização em áreas extensas, combate a incêndios em lugares altos e entregas expressas de cargas com alto valor agregado, como medicamentos, eletrônicos e peças de reposição (por enquanto, permanece futurista a ideia de entregas de refeições por drone no meio das cidades).
No Brasil, um exemplo da versatilidade dos drones é apresentado pela Morfo, especializada na restauração de ecossistemas florestais em zonas tropicais e subtropicais. A empresa usa os aparelhos voadores para reflorestar áreas de difícil acesso, onde pessoas e máquinas terrestres não conseguiriam chegar ou fariam um trabalho lento demais. Outro segmento recém-inaugurado no país é a lavagem externa de edifícios, fábricas, silos, parques de painéis solares e outras estruturas elevadas ou extensas. Sai de cena o velho método de profissionais de limpeza pendurados em cordas a grandes alturas, que é perigoso e perdulário. Entra o drone capaz de limpar um edifício de dez andares em um dia, diante de uma semana pelo sistema tradicional. “Vimos esse serviço sendo prestado nos arranha-céus de Dubai. Importamos as peças da Índia e montamos o drone exatamente como queríamos”, afirma Marcello Galindo, presidente e cofundador da Urano Drone Wash, criada em janeiro, que vem fazendo demonstrações para grandes empresas. O veículo tem jatos de alta pressão, alcança ângulos difíceis, pode trabalhar a 20 centímetros de distância da fachada e consome menos água e produtos de limpeza.

A segunda tendência a mudar o panorama do setor é o tamanho dos drones civis. As máquinas normalmente usadas nos serviços tradicionais, como monitoramento e transporte de cargas leves, são transportáveis por duas pessoas. Cabem em veículos de passeio. Mas, conforme os drones se tornam mais confiáveis e assumem novos serviços, o mercado pede aparelhos capazes de carregar centenas de quilos e com autonomia para percorrer centenas de quilômetros, com dimensões similares às de helicópteros e pequenos aviões (veja o quadro).
Os maiores drones construídos em série, como os da chinesa DJI, maior fabricante do mundo, não passam da faixa de algumas dezenas de quilos. Não existe manual de instrução para colocar no ar, de forma segura e controlada, veículos dez vezes maiores. Quem consegue, trata o feito como segredo industrial. “Até chegar ao Harpia (maior modelo), queimamos mais de cinquenta motores e devemos ter destruído uns oitenta drones”, diz Gabriel Leal, presidente e cofundador da Psyche, baseada em São José dos Campos (SP), que recebeu 27 milhões de reais em investimentos desde 2024. O empreendedor calcula que ao longo de três anos passaram pela startup, para contribuir de alguma forma, mais de 400 profissionais. Hoje a empresa tem 200 funcionários, que trazem experiências de organizações como Embraer, Google, ITA, Samsung e Unicamp.

Conforme o uso desses veículos voadores se espalhar por novos setores e por áreas com circulação de pessoas, vai surgir a demanda por um ecossistema de novos serviços. “Estamos vendo mais investimento em drones de carga pesada, projetados para transporte e aplicações industriais”, afirma Kara Jones, presidente da Genius NY, aceleradora de empresas americana especializada em drones. Para garantir que essas operações continuem seguras, surgem outras startups. A Genius NY abriga um negócio dedicado à gestão de tráfego de veículos não tripulados (ou UTM, na sigla em inglês) e outra especializada em paraquedas e recuperação de drones, a fim de garantir pousos suaves mesmo em situações de emergência (na visão da executiva, há uma tendência paralela também rumo a drones menores, mais silenciosos e eficientes — esse grupo inspira outra categoria de preocupações, como privacidade, mas dificilmente vai machucar alguém ou destruir propriedade).
Conforme os inovadores e os investidores se mexem, reguladores e formuladores de políticas públicas tentam acompanhar. Nos Estados Unidos, cuja regulação influencia o resto do mundo, Brasil incluído, está em avaliação na FAA (Administração Federal de Aviação) a norma “Parte 108”, que deverá facilitar — espera o setor — as operações além da linha de visão do piloto (ou BVLOS, na sigla em inglês). No Brasil, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) emitiu em outubro de 2024 a primeira licença permanente para uma empresa fazer transporte de carga leve por drones sobre uma área urbana. A agência já prevê em sua regulação equipamentos Classe 1, com peso de decolagem superior a 150 quilos.
Parte do trabalho pela frente inclui tornar compatíveis os drones e os “carros voadores”, como o eVTOL da Eve (subsidiária da Embraer), que ganharam normatização em novembro de 2024. O advogado Marcial Sá, do escritório Godke, mestre em direito aeronáutico, afirma que precisaremos discutir protocolos de segurança, regras para operações conjuntas e limites de espaço aéreo e faixas de altitude, conforme tivermos carros voadores e drones grandes se difundindo ao mesmo tempo. Alguns governos, claro, saem na frente de outros: a prefeitura de Hamburgo, na Alemanha, conseguiu no ano passado um investimento inicial de 2,4 milhões de euros do governo federal para o BLU-Space — o primeiro campo de testes da Europa dedicado exclusivamente ao controle de tráfego aéreo só para drones. A decolagem dos superdrones está só começando.
Publicado em VEJA, fevereiro de 2025, edição VEJA Negócios nº 11