Tribunais de contas apontam desigualdades vividas por crianças no país
Em um instrumento para orientar e fiscalizar as políticas públicas voltadas à primeira infância, tribunais de contas lançaram “A Primeira Infância e os Tribunais de Contas: Desigualdades”. O livro mostra dados sobre a invisibilidade social das crianças indígenas, quilombolas e com deficiência; as desigualdades regionais no acesso a creches, escolas, vacinação e saneamento básico.
A publicação aponta ainda a insegurança alimentar vivida por meninas e meninos e outros desafios para a vivência plena da primeira infância. A obra foi lançada pelo Instituto Rui Barbosa (IRB) e pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE/GO) no Instituto Serzedello Corrêa, do Tribunal de Contas da União (TCU). “Ainda há um longo caminho a percorrer. Este livro nos faz refletir sobre as desigualdades que se impõem desde os primeiros anos de vida”, disse o presidente do IRB, conselheiro Edilberto Lima.
Entre os apontamentos da obra, está o levantamento de que, em 15 estados brasileiros, mais de 60% das crianças vivem em lares de baixa renda. Entre as 27 unidades da Federação, o pior índice, segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), está no Maranhão, com 78,25% das crianças em lares de baixa renda.
Educação
Para ter uma ideia da realidade brasileira, na Região Norte, mais de 70% das crianças entre zero e seis anos inscritas no Cadastro Único (de família com renda mensal per capita de até meio salário mínimo, equivalente a R$ 660) nunca frequentaram uma creche ou escola.
No Brasil, o acesso à educação infantil é um direito assegurado pela Constituição de 1988. Pelos dados compilados no livro, os tribunais de contas apontam que o acesso e o investimento nessa fase educacional aumentaram ao longo dos anos. No entanto, o acesso ainda é desigual a depender da região, raça, localização.
Por isso, o livro traz uma série de recomendações para garantia dos direitos das crianças e um desenvolvimento adequado para as mais diversas realidades. São elas:
- Acesso às creches: aumentar o número de vagas disponíveis em creches de qualidade, com instalações adequadas, materiais apropriados e profissionais capacitados, para todas as famílias com crianças de zero a 3 anos, que precisam e queiram creches para seus filhos;
- Pré-escola para todas as crianças: universalizar o acesso à pré-escola de qualidade para todas as crianças de 4 a 5 anos, o que é uma obrigação, por lei;
- Creches e pré-escolas decentes: garantir em creches e pré-escolas instalações adequadas e próximas às residências das crianças, com infraestrutura completa para o desenvolvimento infantil seguro;
- Transporte escolar seguro: assegurar transporte escolar de qualidade para todas as crianças que precisam se deslocar até as escolas;
- Educadores qualificados: qualificar continuamente os diferentes profissionais de educação infantil e outros atores que trabalham com crianças, em parcerias as mais diversas, para capacitação em práticas pedagógicas para essa faixa etária;
- Inclusão: promover capacitação inclusiva para educadores e cuidadores, valorizando o afeto e as brincadeiras;
- Educação inclusiva: fomentar a educação inclusiva, criando ambientes seguros e eficazes para crianças com deficiência e/ou neurodivergentes;
- Várias infâncias: garantir o acesso às múltiplas infâncias, tais como as negras, indígenas, ribeirinhas, rurais, periféricas, entre outras, às políticas públicas para a garantia dos seus direitos.
Falta de infraestrutura
O levantamento de dados com recomendações também aponta que no Acre e no Amapá, por exemplo, quase metade da população sequer tem água potável. Em 12 estados, menos de 30% dos moradores têm acesso a esgotamento sanitário.
Durante evento de lançamento do livro, o ministro da Educação, Camilo Santana, reconheceu que o Brasil é um dos países mais desiguais do planeta. “Como podemos imaginar uma criança se desenvolver cognitiva e socialmente se ela não tem o que comer?”, afirmou.
Camilo ressaltou que a primeira infância é a fase mais importante para o desenvolvimento do ser humano. “O MEC sempre olhou muito para o ensino superior, mas agora vamos priorizar a educação básica”, prometeu.
Segundo o presidente do IRB, Edilberto Pontes Lima, são muitas barreiras para o pleno desenvolvimento. Para ele, os dados revelados no livro mostram que as políticas públicas voltadas à primeira infância devem ter uma abordagem global, ou seja, devem envolver não só educação, mas saúde, saneamento básico, segurança.
“O IRB tem buscado, junto com os tribunais de contas, fortalecer e ampliar a capacidade de fiscalização e de indução de políticas públicas concretas para garantir que cada criança do país tenha a oportunidade de um futuro digno”, afirmou.
Transformação
O presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), conselheiro Edilson Silva, reforçou que a pauta da primeira infância é prioridade para as cortes de contas brasileiras e que “os TCs devem ser instrumentos de transformação de vidas por meio das fiscalizações e da orientação dos gestores”.
O livro A Primeira Infância e os Tribunais de Contas: Desigualdades também contém artigos do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, do procurador-geral da República, Paulo Gonet, do ministro da Educação, Camilo Santana, de membros do Sistema Tribunal de Contas e de cientistas de renome internacional como James Heckman, Jack Shonkoff e Charles Nelson III.
São 276 páginas que ilustram o impacto das desigualdades na primeira infância e a atuação dos tribunais de contas na disseminação de boas práticas. Confira a publicação.
No final dela, há diversas recomendações para a redução das desigualdades, com estratégias voltadas ao fortalecimento de políticas intersetoriais, investimento em educação infantil, saneamento básico e infraestrutura.