Negócios

Ao ajeitar suas contas e mostrar solidez, a Embrae…

A Embraer parecia destinada a entrar em rota de turbulência após o fracasso do acordo de joint venture com a Boeing, em 2020. O caso foi parar nos tribunais e, no ano passado, a empresa brasileira fechou um acordo para receber 150 milhões de dólares de indenização da companhia americana pelos prejuízos provocados pelo rompimento unilateral do negócio. Foi mais uma boa notícia nos últimos tempos para a fabricante de São José dos Campos, que já havia se mostrado capaz de deixar para trás esse enrosco para voar novamente por conta própria. Um termômetro da boa fase é o comportamento do mercado de capitais. As ações da Embraer negociadas na bolsa de Nova York dispararam 140% nos últimos doze meses. Nesse mesmo período, a cotação da Airbus aumentou apenas 10% e o valor de mercado da Boeing caiu mais de 20%.

No balcão brasileiro, o resultado foi ainda mais expressivo: a B3 registrou um salto de 160%. Os resultados sólidos da Embraer permitiram que a empresa tivesse um desempenho muito acima do Ibovespa. O principal índice da bolsa caiu 4% nos últimos doze meses em meio a inflação, gastos públicos e juros elevados. “O fluxo de caixa robusto e uma mensagem bem pé no chão reforçam a confiança em um momento de bastante preocupação com o cenário macroeconômico”, diz Enrico Cozzolino, sócio da casa de análises Levante Investimentos.

NO COMANDO – O CEO Francisco Gomes Neto: “Não somos mais aquela empresa de 2020, que era mais frágil” (Ton Molina/Fotoarena/Agência O Globo/.)

Esses números são resultados da boa gestão, apesar do desafio de enfrentar competidores globais bem mais parrudos: em termos de receita, a Embraer tem menos de um décimo do tamanho das rivais Airbus, europeia, e a própria Boeing. Na última semana, a brasileira divulgou seus resultados referentes a 2024, reportando lucro líquido de 2,6 bilhões de reais, mais que sextuplicando a cifra do período anterior. A reação foi imediata: os papéis negociados na B3 subiram 12% em um único dia. A rota positiva das finanças corporativas e uma encomenda recente que bateu recorde apontam um céu de brigadeiro para a empresa.

Poucas semanas antes da divulgação do último balanço, os holofotes do mercado financeiro se voltaram para a Embraer em razão de um acordo histórico com a Flexjet, empresa americana de compartilhamento de jatos executivos. A Flexjet encomendou 182 aeronaves, a serem entregues até 2030, por 7 bilhões de dólares — mais de 40 bilhões de reais. Trata-se do maior pedido de jatos executivos da história da Embraer, evidenciando oportunidades crescentes. “É um segmento que não viu crise durante a pandemia”, diz André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company e especialista em aviação. Atualmente, a maioria dos produtos entregues pela empresa brasileira é jatos executivos de pequeno ou médio porte, que totalizou 130 em 2024. A divisão de aviação comercial acumulou 73 entregas no ano, enquanto três aeronaves de tipo militar chegaram às mãos de compradores. Com isso, mais 206 aviões da Embraer vão circular pelos ares do mundo a partir de 2025.

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PORTFÓLIO - Hangar da companhia: aviões comerciais, executivos e militares
PORTFÓLIO - Hangar da companhia: aviões comerciais, executivos e militares (Eduardo Knapp/Folhapress/.)

Embora a avaliação dos especialistas seja de que o mercado se encontra em um bom momento, com demanda consistente por aeronaves, surfar ou não essa onda depende da administração das empresas. O diagnóstico é claro: o mérito é da Embraer, que ajeitou as contas, aposta em segmentos promissores e ganhou a confiança de quem investe. “Não somos mais aquela empresa de 2020, que era mais frágil financeiramente”, afirma Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer. Há cinco anos, a empresa registrou um prejuízo líquido de 2,3 bilhões de reais e estava altamente endividada naquele primeiro ano da pandemia da covid-19. Depois desse período, deu a volta por cima. Graças à melhora financeira, Gomes Neto pôde proferir as palavras mais ansiadas pelos investidores: “Vamos retomar a distribuição de dividendos como pagamento relativo a 2024”. A Embraer não paga dividendos aos acionistas há mais de seis anos.

arte Embraer

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De olho no horizonte de longo prazo, com uma tendência antiglobalização pairando sobre o mundo, o futuro deve exigir adaptações por parte da indústria de aviões. A recente volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos é determinante nessa guinada e já gera instabilidade nos mercados. “A cadeia de produção, que está sob monitoramento constante, representa nosso maior desafio ao menos nos próximos dois anos”, diz Gomes Neto. O atual comando da Embraer considera, no entanto, que está muito bem posicionado para lidar com qualquer turbulência: “Se a Força Aérea americana encomendar nosso avião de defesa KC-390, podemos adaptar nossa planta nos Estados Unidos para montá-lo lá”, diz Gomes Neto. Atualmente, a maioria dos componentes do KC-390, principal avião militar da Embraer, já vem dos Estados Unidos, mas o produto final é montado no Brasil — o que pode sujeitar o avião a eventuais tarifas.

Ao apresentar suas projeções para 2025, a diretoria da Embraer foi vista como conservadora. A margem do Ebit (lucro antes de juros e impostos) cairia de 11,1% para até 8,3% neste ano, mas o mercado já vislumbra resultado melhor com base na trajetória recente da empresa. “Seguimos com nossa classificação de outperform (compra) da ação e mantemos a Embraer como a top pick (principal escolha) da nossa cobertura”, escreveu o analista Daniel Gasparete, em relatório do Itaú BBA. O preço-alvo fixado pelo banco para a ação negociada em Nova York, de 51 dólares, ainda não foi atingido. Na esteira do sucesso recente, a Embraer pode alçar voo ainda mais alto.

Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934

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