Aos 50, metrô de SP tem planos de expansão inédita e privatização
TULIO KRUSE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Há 50 anos, cerca de mil passageiros fizeram a viagem de estreia das sete primeiras estações do metrô de São Paulo. Eram políticos, militares, engenheiros, convidados de autoridades e jornalistas que viajaram da estação Vila Mariana até Jabaquara, um trajeto de aproximadamente sete quilômetros.
Houve fanfarra, um coro infantil cantando música indígena, dança folclórica africana, apresentações de ginástica artística, e uma bênção do arcebispo dom Paulo Evaristo Arns à nova obra de engenharia. A inauguração no sábado, 14 de setembro, coincidia com o aniversário do governador Lauro Natel, que ouviu um “Parabéns a você” cantado por uma banda de crianças da igreja.
Do lado de fora, a população assistiu à festa sem embarcar na novidade. O transporte seria aberto ao público só na segunda-feira seguinte, e o dia de inauguração era apenas para convidados.
Cinco décadas depois, o metrô vive um momento de inflexão em sua trajetória. O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) desenha um plano ambicioso de expansão. Ao mesmo tempo, estuda a possibilidade de privatizar a gestão de todas as linhas hoje administradas pelo setor público (1-azul, 2-verde, 3-vermelha e 15-prata) e descarta a construção de qualquer novo ramal sob administração direta.
“Nós pretendemos dobrar a malha de metrô de São Paulo nos próximos 15 anos”, diz o secretário-executivo de Parcerias e Investimentos, André Isper.
Isso significaria construir quase sete quilômetros de metrô por ano, um desempenho que São Paulo nunca atingiu. Para tentar viabilizá-lo, o governo está finalizando estudos para dar início a uma série de concessões.
O modelo prevê que a empresa vencedora de cada licitação torne-se responsável pela gestão de uma linha pública do metrô e, ao mesmo tempo, fique responsável pela construção de um ramal inteiramente novo.
Entre três casos em análise na pasta, o mais avançado é uma concessão que deve concentrar no mesmo consórcio a operação da linha 1-azul e a construção da 20-rosa -que conectará a zona norte da capital à região do ABC Paulista.
Na sequência, viria a concessão da linha 3-vermelha aliada às obras da linha 19-Celeste -que deve ligar o Vale do Anhangabaú a Guarulhos– e um terceiro pacote, que combinaria a gestão das linhas 2-verde e 15-prata à construção do ramal 22-marrom -de Sumaré, na zona oeste, a Cotia.
Como os estudos são preliminares, é possível que alguns detalhes mudem. De forma geral, o princípio por trás do plano é que o dinheiro obtido com as tarifas na operação das linhas tradicionais ajude a pagar pela expansão da rede.
Ao fim da série de concessões, a companhia do Metrô se transformaria numa empresa estadual focada apenas no planejamento metroviário. Isper diz que os contratos de concessão devem prever que funcionários concursados responsáveis pela operação e manutenção do Metrô sejam absorvidos pelas concessionárias, com estabilidade por alguns anos.
Hoje, a rede metroviária tem 104,4 quilômetros. É bem menos do que foi projetado para a década de 2020 ao longo dos anos e um desempenho mais lento do que outras metrópoles pelo mundo. Com um ritmo mais acelerado nas duas primeiras décadas, foram entregues em média 1,9 quilômetros de metrô por ano.
Na Cidade do México, que iniciou sua operação cinco anos antes, a média foi de 3,7 quilômetros ao ano no mesmo período. O sistema de Santiago, no Chile, foi inaugurado um ano depois e hoje tem 36 quilômetros a mais do que o paulista.
Para Isper, isso foi resultado do modelo de contratação, fragmentando a prestação de serviços, que favoreceu interrupções nas obras. “Há pouca transferência de riscos ao setor privado”, diz. “Isso faz com que o setor privado, ao encontrar qualquer intempérie, qualquer risco geológico, problema de projeto, força maior, qualquer coisa que impacte a obra, provoque paralisação.”
O sistema transporta 2,9 milhões de passageiros por dia atualmente. É um patamar menor do que o período pré-pandêmico. Além da disseminação do home office, um processo histórico de pulverização do comércio e da oferta de empregos pelo território da região metropolitana alterou a maneira como a população utiliza o transporte.
Planejar a localização das estações, o traçado dos túneis e os trechos prioritários para obras é um rito que obedece às mesmas regras há cinco décadas. O que mudou foi a tecnologia: durante a maior parte da história do Metrô, os processo eram manuais, analógicos.
O engenheiro Epaminondas Duarte Júnior, 74, chefe do departamento de Planejamento e Anteprojeto de Engenharia do Metrô, começou a trabalhar na companhia como estagiário um mês depois da inauguração. Ele lembra que sua primeira tarefa foi vasculhar os arquivos públicos para saber quais prédios tinham subsolos e qual era a profundidade das fundações que sustentavam os edifícios do centro de São Paulo.
Quando não encontrava o que precisava em cadernos empoeirados da prefeitura, batia à porta desses prédios atrás dos projetos originais. Às vezes, tinha de convencer os porteiros a deixá-lo descer ao subsolo para perfurar as paredes e descobrir qual era o material usado nas vigas.
“Os fundamentos de planejamento, eles não mudaram”, diz Duarte Júnior. “A gente sabe que [o número de passageiros] caiu, mas a gente quer saber como caiu e de onde caiu. É possível que essas coisas ainda estejam em transformação, é possível que essa demanda retorne. O Metrô sempre teve demanda reprimida.”