Atores e atrizes debatem espaço de pessoas amarelas na TV brasileira
O Brasil é conhecido por sua diversidade, especialmente quando o assunto é a cor da pele. No entanto, essa pluralidade nem sempre se reflete no audiovisual. O movimento negro há anos luta por maior representatividade, e, recentemente, as pessoas amarelas — grupo étnico formado por descendentes de orientais — também têm buscado mais reconhecimento e respeito no entretenimento.
Um caso emblemático chamou atenção nas redes sociais. Um grupo criou a novela fictícia Pé de Chinesa, com Jade Picon e Davi Brito vestidos com quimonos tradicionais da China. A brincadeira, entretanto, gerou indignação entre atores e atrizes amarelos, que publicaram uma carta aberta criticando a falta de sensibilidade e respeito à representatividade.
Segundo dados do Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 850 mil pessoas amarelas, o que representaria 0,4% dos habitantes. O status de minoria fez com que, durante muito tempo, o audiovisual reproduzisse apenas estereótipos sobre essa população.
Em entrevista ao Metrópoles, Ana Hikari, Jacqueline Sato e Pedro Ogata, signatários da carta de repúdio, falaram sobre a mudança na representatividade das pessoas amarelas na televisão, o preconceito contra a etnia e afirmaram que o mundo vem passando por transformações importantes, ainda que lentamente.
Ana Hikari explicou que o objetivo ao questionar a piada envolvendo a novela fake era chamar a atenção para o fato de que a cultura oriental não deve ser tratada como motivo de riso. “Se pelo menos uma pessoa botou a mão na consciência, refletiu e repensou a piada, já estou feliz”, declarou.
Gabi Yoon, atriz nascida na Coreia do Sul e que veio ao Brasil aos 10 anos, acrescenta: “O simples fato de algumas pessoas acreditarem na veracidade de Pé de Chinesa já demonstra o nível de absurdo que estava sendo praticado”.
Luta por mais representatividade
O caso Pé de Chinesa jogou luz para um problema que atormenta essa população há tempos. Jacqueline Sato, 36 anos, luta contra essa estigmatização desde a adolescência. A atriz conta que via muitas referências em conteúdos internacionais, mas, no audiovisual brasileiro, não enxergava artistas “parecidas com ela”.
“Na época que estava me formando no ensino fundamental e tinha que decidir qual profissão seguir, isso se tornou ainda mais claro. Eu mesma passei a acreditar que era uma ‘viagem da minha cabeça’ acreditar que eu poderia ser cantora ou atriz algum dia”, explicou.
Dani Suzuki, 47 anos, é uma das figuras de descendência asiática mais conhecidas do Brasil. Em 2016, a novela Sol Nascente tratava sobre a cultura japonesa e, nas prévias, tinha a atriz como protagonista. No entanto, em uma virada, Giovanna Antonelli assumiu o papel principal.
A prática de whitewashing deixou sua marca na produção, gerando debates acalorados sobre o tema. Para Sato, embora casos como esse aconteçam, muitas pessoas ainda tendem a minimizar o preconceito enfrentado pelas pessoas amarelas e acham graça em situações desse tipo. “Ainda passo por situações constrangedoras em que tenho que conversar com a pessoa”, explicou.
Um cenário em mudança
Apesar dos problemas, a situação está melhorando. Gabi tem percebido mais abertura nas tentativas de inserção no mercado artístico. “Não tive antes esses tipos de papéis e oportunidades que estou tendo hoje”, pondera a atriz, que esteve em produções como Tem que Suar e Mar de Dentro.
Ana Hikari, por exemplo, avalia a novela Volta por Cima como outra iniciativa positiva.que utilizou os descendentes orientais em núcleos familiares diferentes, sem estereótipos ou sotaques pejorativos.
“Tudo isso é um ganho muito grande, uma conquista dos artistas amarelos e fruto de uma mobilização que eles fizeram ao longo dos últimos anos. Você pode aplicar a mesma lógica de compreensão sobre identidade racial para pessoas negras e entender isso, aplicar isso para pessoas indígenas e amarelas, é superimportante”, completou.
Pedro Ogata, 18 anos, celebra suas conquistas por outro lado. Ele, que está na sitcom Tô Nessa e na série Os Outros, comemorou viver personagens que, apesar de seu fenótipo, não tem uma ligação imediata com a cultura japonesa.
“Em Os Outros eu tive uma grande felicidade, que foi o nome do personagem. Era o Souza, isso é uma grande conquista”, opina o ator.
K-dramas são aliados?
Os streamings popularizaram as novelas coreanas no Brasil, superando, inclusive, produções brasileiras no interesse do público. Ao mesmo tempo em que ajudam a popularizar um gênero asiático no Brasil, os K-dramas também são encarados com desconfiança pelos atores.
“O perigo disso é que as pessoas se apegam a uma narrativa única, como se só aquilo representasse o que é ser amarelo. E quando falamos de amarelitude diaspórica, ou seja, pessoas amarelas vivendo fora do leste asiático, a vivência é diferente, as narrativas são diferentes e a forma de ser é diferente”, disse Hikari.
Tentando expandir o espectro, Jacqueline Sato estreou um programa chamado Mulheres Asiáticas. O docu-talk-reality traz o encontro de mulheres asiáticas nascidas no Brasil e que foram criadas entre tradições latino-americanas e asiáticas. A apresentadora recebe convidadas referência em suas profissões e falam sobre suas vivências.
O intuito é “revelar a diversidade que há dentro da diversidade”. “Conseguimos revelar que somos muito além do que a maioria das pessoas imaginam a respeito de nós”, disse, ressaltando que esse é um espaço no audiovisual onde elas são as protagonistas, contado com muita delicadeza e afeto. “Buscamos fazer isso de forma a convidar as pessoas para a reflexão e empatia”, conclui.
Já Yoon, explica que a palavra “dorama” foi empregada no Brasil de uma forma a não respeitar a diferença entre as culturas japonesa, coreana ou chinesa, “sem considerar que estamos falando de países, culturas e idiomas distintos com histórias milenares”.