Brasileira investiga impacto de antidepressivos e ansiolíticos na vida aquática
Cerca de 11,7 milhões de brasileiros vivem com depressão no Brasil, o que equivale a 5,8% da população brasileira, de acordo com o último mapeamento sobre a doença feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, o país possui o maior número de pessoas ansiosas (9,3% da população), segundo a entidade.
Não à toa, o uso de antidepressivos e ansiolíticos também tem aumentado nos últimos anos na região. De acordo com um estudo conduzido pela empresa especializada Sandbox, estima-se que o número subiu em 18,6% no país entre 2022 e 2024. Diante desse cenário, a pesquisadora Raquel Aparecida vai investigar o impacto deste aumento nos organismos de ecossistema aquático.
Vencedora do programa “Para Mulheres na Ciência“, promovido pelo Grupo L’Oréal no Brasil em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a pesquisadora recebeu uma bolsa auxílio de R$ 50 mil para desenvolver sua pesquisa.
“Eu estou implementando a minha linha de pesquisa, que é ecologia e toxicologia, não existia aqui na FZEA [Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, da Universidade de São Paulo]. Consequentemente, eu não tenho uma infraestrutura pronta para fazer os experimentos com os meus alunos. Então, esse dinheiro veio em uma hora muito boa”, afirma Raquel em entrevista à CNN.
Além disso, a premiação, na visão de Raquel, fortalece a inclusão de mulheres na ciência. “A discussão que tivemos no dia da premiação foi de que as mulheres podem acreditar que é possível, apesar de tantos desafios, como o estereótipo de gênero. Esse é um aspecto, por exemplo, muito complexo e bastante desafiador que faz parte. Mas é através da rede de mulheres cientistas que vamos nos fortalecer para situações cotidianas”, afirma.
Pesquisa investiga se medicamentos podem alterar comportamento de animais aquáticos
Desde o início da sua carreira acadêmica, Raquel possui uma linha de pesquisa voltada para avaliação dos impactos de ações antrópicas, ou seja, associadas às atividades humanas, em ecossistemas diversos. Seus principais estudos foram focados em contaminantes como agrotóxicos e metais pesados.
“No último ano, eu acabei tendo contato com um grupo de pesquisadores de diferentes regiões do mundo que começaram a se questionar sobre possíveis efeitos do aumento do uso de fármacos nos ecossistemas, principalmente os psicoativos, como ansiolíticos e antidepressivos, principalmente na época da pandemia e pós-pandemia”, conta.
A pesquisadora explica que a preocupação sobre os impactos de ansiolíticos e antidepressivos nos sistemas naturais, entre eles, o aquático, é maior no Brasil. “Aqui, além da questão do descarte incorreto dos medicamentos, esses compostos [presentes em psicoativos] não são retidos nas estações de tratamento de água residual. Então, se as pessoas estão consumindo mais esses psicoativos e não existe barreira para essas substâncias no sistema aquático, quais são os efeitos na biota desses ambientes?”, questiona.
Essa é a pergunta principal que vai conduzir a pesquisa de Raquel nos próximos anos. “Se um peixe, por exemplo, é exposto a um agrotóxico, e se ele tem a possibilidade de fugir, essa é uma resposta que eu já vi em vários trabalhos: ele foge para áreas menos impactadas. Mas será que com ansiolíticos ou antidepressivos, eles também vão fugir? Será que a resposta ao entrar em contato com o composto formulado para o bem-estar [humano], também vai impactar os animais nesse mesmo sentido? Será que vai trazer algum bem-estar para o peixe? Ou será que a exposição continuada vai trazer alguma dependência?”, interroga a pesquisadora.
Em resumo, o objetivo da pesquisa é entender como os compostos residuais desse tipo de medicamento pode alterar o comportamento social de animais aquáticos.
Pesquisa pode ajudar a formar ações para minimizar impacto ambiental
Raquel explica que, no Brasil, ainda existem poucos dados sobre como esse tipo de medicamento está presente no ambiente aquático — e que seu trabalho poderá ajudar a ampliar essa informação.
“Se esse trabalho de mapeamento, principalmente de águas residuais, mas também de diferentes microbacias, for ampliado, nós já conhecemos um cenário do qual a biota vai estar exposta. Então, são ótimos dados, mas a minha contribuição vai ser uma continuidade a partir desse monitoramento ambiental e entender quais são as concentrações, quais são os centros urbanos que mais têm a presença desses compostos e quais substâncias se destacam”, afirma.
A partir dessas informações — e de conjunto de dados já presentes na literatura científica –, Raquel acredita que a comunidade de cientistas poderá amparar tomares de decisão a alterar ou melhorar a legislação em prol da saúde animal, ambiental e, também, humana.
“Essa perspectiva, conhecida como ‘one health’ ou saúde única, destaca a ligação desses pilares. O estudo da ecotoxicologia, ou seja, dos diferentes efeitos da contaminação ambiental sobre a saúde dos ecossistemas e a biodiversidade, é essencial para a gestão da qualidade da água, do solo e da saúde pública”, explica.
Milagre da multiplicação dos peixes pode ter explicação científica