Cacau de laboratório e fava fermentada podem ser futuro do chocolate sustentável
A indústria do chocolate está em crise. Os preços do cacau dobraram desde o início do ano, pois as plantações na África Ocidental — que produzem 80% do cacau mundial — foram atingidas por secas agravadas pelas mudanças climáticas. Como resultado, fábricas de processamento em países como Gana e Costa do Marfim pararam ou reduziram a produção, enquanto grandes fabricantes aumentaram os preços e cortaram as estimativas de vendas.
Essa crise recente se soma a outros problemas com a produção de chocolate; o cacau é um dos principais responsáveis pelo desmatamento ilegal e há evidências de trabalho infantil e escravidão em fazendas de cacau na África e no Brasil. O cultivo das árvores de cacau também requer muita água, embora apenas as sementes do fruto sejam colhidas.
Uma maneira de enfrentar esses problemas é produzir chocolate sem usar grãos de cacau — a semente fermentada da árvore de cacau. O chocolate sem cacau já está disponível, mas cientistas em todo o mundo estão buscando novas maneiras de torná-lo mais ecológico e saudável, utilizando novas técnicas e ingredientes.
Alternativas mais sustentáveis
Encontrar os ingredientes certos, no entanto, pode levar tempo. “Entre nosso primeiro protótipo e nossa fórmula atual, tivemos 500 iterações — e nada do produto inicial sobreviveu no produto comercial”, disse Max Marquart, da empresa alemã Planet A Foods, que produz o ChoViva, uma alternativa ao chocolate feita a partir de sementes de girassol e aveia, além de sementes de uva, manteiga de karité e açúcar.
A Planet A apenas fornece a outros fabricantes, incluindo o gigante suíço Lindt, e o ChoViva é usado como ingrediente em mais de uma dúzia de produtos vendidos na Alemanha. A empresa também fabrica substitutos de cacau em pó e manteiga de cacau. “O pó é feito com um processo semelhante à fermentação, enquanto para a manteiga usamos um processo semelhante à produção de cerveja, utilizando cepas de fermento específicas,” disse Marquart.
Ele define o processo de fabricação como “curto e sustentável”, pois os ingredientes são obtidos próximos às instalações de produção na República Tcheca. Por enquanto, o ChoViva é usado principalmente em lanches de chocolate e cereais, e não para fazer barras de chocolate. “Não estamos competindo com seu Cadbury Milk ou suas barras de chocolate puro, esse não é nosso objetivo”, disse Marquart.
O preço, acrescentou ele, é uma consideração importante quando se trata de convencer as pessoas a trocar o chocolate com cacau pelo sem cacau. “Não faz sentido tentar mudar o comportamento das pessoas — isso não funcionaria. Você quer alcançá-las tornando isso muito fácil para elas: sem mudança de sabor, sem mudança de preço, mas, ao mesmo tempo, elas obtêm mais sustentabilidade, de graça.”
Outras empresas têm receitas diferentes. “Em vez de grãos de cacau, usamos favas de soja provenientes de fazendas no Reino Unido e na Europa, e depois as fermentamos de uma maneira semelhante à que os produtores de cacau fermentam seus grãos,” disse Ross Newton, CEO da Nukoko, uma startup britânica que aspira lançar no mercado interno no próximo ano.
“Acreditamos que estamos bastante próximos de um perfil de sabor tradicional do cacau ganês. Aspectos como textura e sensação na boca são um pouco mais fáceis de alcançar, porque as gorduras e açúcares ajudam. O ajuste de sabor é um ponto mais complicado, mas como nosso processo é tão semelhante à fermentação real do cacau, conseguimos chegar mais perto do sabor real do cacau do que qualquer outra pessoa,” acrescentou Newton.
As favas de soja também têm vantagens nutricionais, de acordo com Newton. Elas são mais ricas em proteínas e mais baixas em gordura em comparação com o cacau em pó, e devido à sua capacidade de fixar nitrogênio no solo, podem reduzir o uso de fertilizantes químicos. Embora o cacau contenha compostos antioxidantes que podem melhorar o fluxo sanguíneo e reduzir a inflamação.
Newton acredita que as alternativas ao chocolate se tornarão uma grande parte do mercado nos próximos cinco anos. “Os dados de modelagem climática mostram que podemos ter cerca de 25% das fazendas de cacau incapazes de fornecer o mercado. Substituir o chocolate completamente ou apenas misturar produtos alternativos, como queremos fazer, para reduzir o conteúdo geral de cacau, pode ajudar com a sustentabilidade — mas também com os custos.”
Como o verdadeiro, mas em um laboratório
Uma abordagem diferente vem da agricultura celular, na qual grãos de cacau são cultivados em um laboratório a partir de uma pequena amostra do verdadeiro. “Pegamos um ou dois grãos de cacau e os colocamos em uma cultura celular, fornecendo açúcar, vitaminas e água”, disse Michal Beressi Golomb, CEO da Celleste Bio, uma startup israelense. “Então, as células se multiplicam até obtermos uma grande biomassa; colhemos a manteiga de cacau e ficamos com o pó de cacau.”
A empresa fabricou seu primeiro protótipo no final do ano passado, após oito meses de trabalho. “Conseguimos extrair manteiga de cacau de qualidade para chocolate e somos os primeiros no mundo a conseguir isso usando tecnologia de cultura celular. Tem o mesmo perfil químico da manteiga de cacau tradicional. Pode ser uma substituição direta no processo de fabricação de chocolate.”
No entanto, o custo para produzir manteiga de cacau dessa maneira ainda é proibitivamente alto e há obstáculos regulatórios a serem superados antes que o produto possa ser vendido. “Isso será em 2027, com paridade de custo”, disse Beressi Golomb. Em relação à aprovação, ela disse: “Vamos começar pelos EUA, que têm um processo regulatório mais rápido. Europa e Reino Unido têm um acúmulo de aplicações”.
Comparado à produção tradicional de grãos de cacau, cultivá-los em um laboratório permite um controle maior sobre o produto final, de acordo com Beressi Golomb.
“Estamos combinando biotecnologia, agritech e IA para criar as condições ideais de crescimento para as células. Usamos sistemas de modelagem computacional que podem levar a uma variedade de produtos no futuro, como ter um ponto de fusão mais alto com a manteiga de cacau para que o chocolate possa ser vendido em climas mais quentes, ou um pó de cacau menos amargo para colocar menos açúcar no produto.”
Para produzir duas toneladas de manteiga de cacau tradicionalmente, segundo Beressi Golomb, são necessários quatro toneladas de vagens de cacau, utilizando 2.000 árvores e mais de 9.290 metros quadrados de terra. A mesma quantidade pode ser feita em um laboratório usando um biorreator de 1.000 litros com uma área de aproximadamente 1,4 metro quadrado.
“Nunca precisaríamos derrubar uma única árvore novamente (para abrir espaço para plantações de cacau) — isso é um impacto enorme.”
Reduzindo o desperdício
Também há maneiras de incorporar ainda mais componentes naturais da planta de cacau no processo de fabricação. Um estudo publicado este ano mostra que é possível fazer chocolate usando apenas a vagem de cacau, substituindo o açúcar tradicional por um gel de cacau. A substituição tem efeitos positivos não apenas na sustentabilidade, mas também no perfil nutricional do produto final.
“Nós (normalmente) usamos muito pouco do fruto — é como cultivar uma abóbora para usar apenas as sementes”, disse Kim Mishra, professora do Departamento de Ciências da Saúde e Tecnologia do Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Zurique e principal autora do estudo.
O processo envolve moer parte da casca em um pó e obter um suco da polpa que envolve as sementes. Ambos os componentes são geralmente descartados ou compostados e têm pouco ou nenhum valor econômico para os produtores. Quando combinados, criam um gel que pode atuar como um adoçante.
“Você faz chocolate usando apenas componentes do fruto e não açúcar cristalizado convencional de beterrabas. Isso aumenta a sustentabilidade do produto porque você converte mais biomassa da árvore de cacau,” acrescentou Mishra.
Ela diz que a textura do produto final é semelhante ao chocolate amargo com alta porcentagem, mas a doçura é diferente, pois se desenvolve um pouco mais lentamente e com um toque frutado. Comparado ao chocolate açucarado, tem mais fibra e menos ácidos graxos saturados, acrescentou.
A desvantagem é que há etapas adicionais de produção para fazer o gel e um novo processo regulatório devido ao uso de partes da vagem que atualmente não são consideradas comestíveis. Mas, o estudo observa, o chocolate feito dessa maneira teria um impacto climático menor e proporcionaria oportunidades para diversificação da renda dos produtores.
Talvez o melhor caminho a seguir para a indústria do chocolate não seja reinventar seu produto, mas apenas usar mais do que já produz.
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