Como o tarifaço de Trump atrapalha os planos de em…
Com um PIB próximo de 2 trilhões de dólares, indústrias de ponta e um mercado consumidor dinâmico, o México se consolidou nos últimos anos como destino estratégico para empresas brasileiras que buscam expansão internacional. Porém, a volta de Donald Trump à Casa Branca ameaça redesenhar esse cenário promissor. O presidente americano retomou sua conhecida agenda protecionista, prometendo endurecer o controle de fronteiras e sobretaxar importações do país vizinho. Em meio a essa turbulência geopolítica, surge uma questão: qual o futuro dos bilionários investimentos brasileiros em território mexicano?
Assim como aconteceu no início de 2017, Trump chegou ao poder com uma agenda que combina repressão a imigrantes ilegais, barreiras em fronteiras e protecionismo às empresas americanas, baseando-se na taxação extra de produtos e insumos importados. Em muitos casos, os anúncios são acompanhados de recuos, como na decisão de sobretaxar todas as importações vindas do México e do Canadá — o que não significa que a medida não possa ser retomada em algum momento. “O governo Trump parece disposto a reduzir a interação comercial com o México”, diz Christopher Garman, diretor executivo para as Américas da consultoria Eurasia Group. Em sua análise, uma vantagem do México é que o país não depende exclusivamente de investimentos americanos, nem tem uma vinculação excessiva com os chineses, além de ser bem relacionado com os países da América Latina. Ainda assim, na avaliação de Garman, as novas ações de Trump podem reduzir o PIB mexicano entre 1,5% e 3%.
Efetivas ou não, as medidas de Trump dificultam a leitura das perspectivas de curto prazo para a economia global e, especialmente, para as empresas brasileiras que operam no México. Qual será, por exemplo, o impacto da decisão de aumentar os impostos sobre aço e alumínio em 25% para uma siderúrgica como a gaúcha Gerdau? De um lado, a companhia brasileira já opera no território americano, o que pode representar uma vantagem em um cenário de valorização da produção interna. Por outro, a empresa havia anunciado um investimento de 500 milhões de dólares na construção de uma nova fábrica em solo mexicano.
A decisão fazia sentido, considerando que, em 2023, o México ultrapassou a Argentina como o principal mercado importador de automóveis brasileiros. Além disso, a proximidade com os Estados Unidos tornava o país um destino estratégico para a produção de empresas que buscam reduzir custos e tempos de entrega, um movimento conhecido como nearshoring. Agora, no entanto, há o risco de que o aço produzido no México seja submetido a tarifas mais altas para chegar ao mercado americano, o que comprometeria essa estratégia. Além disso, o México reduziu consideravelmente as importações de automóveis brasileiros em 2024, enquanto a Argentina voltou a se mostrar relevante.
“A estratégia de operar mais perto do mercado americano, além de atender aos próprios consumidores mexicanos, era de fato atrativa”, afirma Fabrício Polido, sócio da área de comércio internacional do escritório L.O. Baptista. Essa tendência, segundo ele, se intensificou no período pós-pandemia, impulsionada pela busca por cadeias de suprimentos mais curtas e resilientes. “O tamanho do mercado mexicano e a proximidade com os Estados Unidos tornavam o país um trampolim ideal para acessar um mercado com grande potencial de consumo.”

Na avaliação de Polido, agora há novos desafios, como o aumento dos custos operacionais devido aos gastos adicionais com produção e exportação, o que impacta a lucratividade. O importante é avaliar até que ponto essas possíveis perdas podem ser minimizadas ou compensadas, considerando que o mercado mexicano é estratégico para a indústria brasileira. De acordo com um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2023, 79% das exportações do Brasil para o México se concentraram em bens da indústria de transformação, um setor que demanda mais insumos ao longo da cadeia produtiva.
Procurada, a Gerdau não se manifestou, assim como o Nubank, a WEG e a Randon, que também foram contatadas, mas optaram por não comentar o momento atual. Em nota divulgada em agosto de 2024, o Nubank definiu o México como sua “prioridade número um para negócios”. Na ocasião, a fintech havia lançado sua conta no mercado mexicano fazia um ano e já ultrapassava 8 milhões de clientes, com 3,3 bilhões de dólares em depósitos. Entre os diferenciais apontados, estavam o PIB per capita mexicano, um dos maiores da América Latina, e a baixa inclusão financeira no país.
A demanda por serviços financeiros digitais qualificados é uma atração, especialmente em um mercado que já aposta em tecnologia. O México é considerado promissor para a implementação de soluções utilizando inteligência artificial. Segundo um levantamento realizado em 2024 pela empresa de tecnologia Samsara, metade dos líderes corporativos mexicanos afirma já utilizar a ferramenta em larga escala, o percentual mais alto entre os sete países analisados. Além disso, o comércio eletrônico segue em alta no país, com previsão de crescer de 29 bilhões de dólares em 2024 para 54 bilhões de dólares em 2029, segundo a consultoria Mordor Intelligence.
Empresas brasileiras que já investem no México seguem expandindo suas operações. A catarinense WEG, fabricante de bens de capital, inaugurou, em janeiro de 2024, a expansão de sua unidade de produtos de automação no município de Atotonilco de Tula, na região centro-leste do México. Em setembro, a companhia anunciou planos de investir 670 milhões de reais na ampliação de sua capacidade produtiva no Brasil e no México. Já a gaúcha Randon, fabricante de implementos rodoviários, por meio de sua subsidiária Frasle Mobility, comprou em junho a mexicana KUO Refacciones, por 2,1 bilhões de reais.
O que vai acontecer com esses projetos a partir de agora? Para Filipe Ferreira, diretor de negócios da plataforma de informações e inteligência de mercado Comdinheiro/Nelogica, as multinacionais brasileiras estão preparadas para fazer ajustes de rota. “Nos últimos anos, as maiores corporações brasileiras se tornaram, de fato, globais. Desenvolveram a capacidade de produzir e comercializar com diferentes bases ao redor do mundo, ajustando estratégias com grande inteligência, de acordo com as mudanças no cenário geopolítico”, afirma Ferreira.
É o caso de companhias que atuam em solo mexicano. “A partir de uma operação no México, os gigantes do Brasil podem buscar novos mercados, em qualquer lugar, mesmo que eventualmente o acesso aos consumidores americanos esteja temporariamente mais restrito”, diz Ferreira. Cabe lembrar que, durante o primeiro mandato de Trump, também foram adotadas sobretaxas para o aço e o alumínio, que posteriormente foram retiradas, tanto para o México quanto para o Brasil.

É importante observar também o cenário mais amplo, já que muitas das ações de Trump têm como alvo principal a China, o que pode gerar um reequilíbrio global das forças comerciais. Segundo Fabrício Polido, o aumento de tarifas pode intensificar tensões comerciais, frear o crescimento global e reconfigurar cadeias de suprimento. Por outro lado, esse cenário pode abrir espaço para novos acordos bilaterais, como entre Brasil e México, e reforçar ainda mais a posição da China como parceira estratégica da América Latina. Pequim, aliás, já reagiu aos anúncios de Washington impondo tarifas sobre produtos americanos estratégicos, como petróleo bruto, máquinas agrícolas e gás natural liquefeito. Outras grandes economias, como a União Europeia, também sinalizam possíveis retaliações.
A China, de acordo com Polido, tem adotado uma abordagem seletiva e calculada em suas retaliações, com o objetivo de obter poder de barganha e influência nas negociações comerciais. “Países como Vietnã, Índia, Tailândia e México podem se tornar alternativas viáveis para empresas que buscam evitar tarifas americanas, aumentando suas exportações e atraindo investimentos estrangeiros”, diz Polido. Diante desse complexo xadrez geopolítico, Christopher Garman é categórico: “Será um ano marcado por incertezas”.
Publicado em VEJA, fevereiro de 2025, edição VEJA Negócios nº 11