Cultura de doação avança no Brasil, mas está abaixo do potencial, diz estudo
VICTÓRIA PACHECO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Atos de solidariedade fazem parte parte do cotidiano de muitos brasileiros, mas a cultura de doação ainda esbarra em desafios, como a ausência de discussões sobre o tema em escolas e universidades e a persistência de um ambiente tributário e fiscal pouco favorável à filantropia.
O diagnóstico é do Termômetro da Doação, levantamento inédito do MCD (Movimento por Uma Cultura de Doação), lançado no último dia 5 de setembro, na FGV (Fundação Getúlio Vargas), em São Paulo.
Pesquisadores responsáveis pelo estudo elaboraram um conjunto de diretrizes para avaliar como anda a cultura de doação no Brasil, analisando dados públicos e pesquisas de organizações de fomento à filantropia.
De acordo com o levantamento, a pontuação geral das práticas de doação no Brasil foi de 56%, com a maioria das diretrizes “em fase de desenvolvimento”.
Fatores que levaram a esse resultado, considerado abaixo do potencial pelos pesquisadores, incluem a quantidade de doadores (empresas, pessoas e instituições), volume, frequência e ticket médio das doações, bem como sua representatividade no PIB (Produto Interno Bruto), e a quantidade de pessoas e empresas que fazem e promovem o trabalho voluntário.
Por outro lado, o fortalecimento das OSCs alcançou 50%, mesma pontuação da diretriz que avalia se a doação é assunto no cotidiano da sociedade.
“A pesquisa é inovadora porque não produz dados primários: ela olha para todos os dados que foram gerados sobre doação nos últimos anos e os sistematiza de maneira que possamos enxergar o ecossistema de forma muito mais ampla”, explica Erika Sanchez Saez, membro do comitê coordenador do MCD.
“Essa é uma ferramenta potente para a sociedade como um todo, mas especialmente para quem trabalha com doação, que conseguirá observar a evolução e traçar estratégias”, completa.
Resultados foram obtidos por meio de cálculos de percentuais que enquadram diretrizes em diferentes níveis de desempenho: aquelas com menos de 25% são consideradas críticas ou em regressão; entre 25% e 49,9%, estagnadas; de 50% a 74,9%, em desenvolvimento; a partir de 75%, avançadas.
“Nosso primeiro desafio foi criar a estrutura dos indicadores e definir a metodologia para selecioná-los, conciliando informações de natureza muito diferente. Por exemplo, como usar uma mesma ‘régua’ para avaliar os milhões de reais doados, a proporção da população brasileira que doa e o número de iniciativas para promover essas ações”, conta Camila Cirillo, pesquisadora do projeto.
Um desafio do estudo foi a falta de alguns tipos de dados. Por exemplo, pesquisadores não puderam medir o grau de conhecimento da sociedade a respeito dos incentivos fiscais.
DIA DE DOAR
Nesta terça-feira (17), ocorreu o lançamento do Dia de Doar 2024, parte do movimento global #GivingTuesday, criado em 2012 nos Estados Unidos e realizado no Brasil desde 2013.
Liderada pela ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), a iniciativa busca incentivar a doação por parte de indivíduos, empresas e organizações, incorporando o hábito no cotidiano dos brasileiros. Neste ano, o Dia de Doar acontece em 3 de dezembro.
DIRETRIZES USADAS PARA AVALIAR A CULTURA DE DOAÇÃO NO BRASIL
Pesquisadores do Movimento por Uma Cultura de Doação analisaram dados públicos e pesquisas de organizações de fomento à filantropia
- Educar para a cultura de doação – Estagnada, com 41% na escala de pontuação, pois foi constatado baixo envolvimento de centros de educação, com concentração nas regiões Sul e Sudeste
- Promover narrativas engajadoras – Em desenvolvimento, pontuando 50%. Esse critério analisa se a doação virou assunto no cotidiano da sociedade
- Criar um ambiente favorável à doação – Estagnada, com 35%. Norteada pela ideia de que doar precisa ser fácil, a diretriz leva em consideração barreiras tributárias, incentivos fiscais e acesso a serviços bancários para doações
- Fortalecer as OSCs (Organizações da Sociedade Civil) – Em desenvolvimento, pontuando 50%. Diretriz parte do princípio de que OSCs precisam ser impulsionadas e fortalecidas
- Fortalecer o ecossistema promotor da cultura de doação – Em desenvolvimento, com 46%. Diretriz considera que o terceiro setor e a filantropia precisam se reconhecer como ecossistema e trabalhar de forma articulada e estratégica