Estilo

Dior une sonhos de ‘Alice no País das Maravilhas’ e feminismo em coleção


Desde que assumiu a direção criativa da Dior e apresentou sua primeira coleção em 2016, a italiana Maria Grazia Chiuri tem a mulher como o inabalável fio condutor de seu trabalho. Chiuri foi a primeira mulher a assumir a direção da maison francesa em 70 anos de história e, a cada estação, explora ideias de feminino.

Seu feminismo é extremamente particular, sem cair em repetições. A cada temporada, Maria Grazia propõe novas conversas sobre a multiplicidade feminina. Em seu desfile de alta-costura de primavera 2025, apresentado na segunda-feira, 27, durante a semana de moda de Paris (dedicada à vertente mais luxuosa, artesanal e exclusiva da moda, a haute couture), não foi diferente.

Para esta estação, a Dior propõe uma viagem semelhante à de Alice Através do Espelho. A sequência de Alice no País das Maravilhas, escrita por Lewis Carroll e publicada em 1871, na qual a personagem atravessa um espelho e é transportada para um mundo fantástico, é citada no texto da coleção. A ideia, segundo a marca, é “se mover em total liberdade”. A moda surge como um sonho que “permite o acesso a outra realidade, dominada por constantes mutações de significado”.

O conceito, embora lúdico, tem raízes fincadas na história da moda, trazendo símbolos e vestimentas de épocas passadas reinterpretados sob um contexto de total liberdade criativa. A transformação, algo inerente à moda, é uma constante ao longo do desfile. “Uma série de encontros imprevisíveis no País das Maravilhas, onde o aqui e agora brincam continuamente de esconde-esconde, como se um ser em constante evolução estivesse descobrindo, a cada movimento – durante este tempo em constante transformação da moda –, recomposições tão efêmeras quanto fantásticas”, define a marca.

Formas

Criando paralelos com a história de Lewis Carroll, as silhuetas da coleção se dividem entre extremos. Algumas são volumosas e “gigantes”, como nos vestidos drapeados e plissados de tule e organza, que envolvem o corpo com formas orgânicas e transparências diáfanas. Outras são estruturadas, próximas ao corpo e muito bem definidas. Essas últimas são construídas com peças da irretocável alfaiataria de alta-costura Dior, sempre um dos pontos de destaque nos desfiles de couture da marca.

No entanto, cada um dos looks que cruzaram a passarela, independentemente de seu volume – ou da falta dele –, traz, à sua maneira, linhas inspiradas na silhueta trapezoidal conhecida como Trapèze line. O estilo, pautado por roupas que criam desenhos inspirados na forma geométrica de um trapézio, foi lançado pela Dior em 1958, pelo então diretor criativo Yves Saint Laurent.

A Trapèze line traz à coleção um elemento histórico diretamente dos arquivos da maison Dior, mas não é a única referência de Maria Grazia ao passado. Outro destaque do desfile ficou por conta dos looks criados a partir de crinolinas “em sua versão moderna e prática”, segundo a marca. Tais elementos, que surgiram no início do século como armações – algumas feitas até mesmo de aço – para dar estrutura aos volumosos vestidos da época, foram reimaginados por Maria Grazia. Na alta-costura Dior, as crinolinas não são pesadas; muito pelo contrário. As estruturas ganham destaque nos looks, recobertas por delicadas flores de tecido, babados, franjas e tules. Esses materiais se repetem na coleção, ao lado de rendas quase impalpáveis, plumas feitas de organza e detalhes metalizados pontuais.

Aura

A mulher de Maria Grazia, nesta temporada de alta-costura, vem cercada por uma aura de sonho, algo que faz parte do universo couture. Mesmo assim, o visual geral da coleção não remete a uma “princesa dos contos de fada”. Ela pode até ser “uma mulher-flor” ou “uma mulher-pássaro”, em referência às plumas e pétalas que recobrem os vestidos, mas é também a mulher “moicano punk que quer alcançar os céus”. Esse símbolo de rebeldia, usado pelo movimento de contracultura inglês dos anos 1990, parece estar ali para lembrar que, no universo de Chiuri, feminilidade e força andam sempre juntas.

Nos pés, outro símbolo dessa consciência contemporânea da diretora sobre a mulher: os sapatos que riscaram a passarela da tenda montada no Museu Rodin, local tradicional de seus desfiles couture, eram todos de salto baixíssimo. Extremamente opulentos, como pede a alta-costura, com aplicações de pétalas, amarrações que se estendiam até os joelhos e brilho, mas sempre próximos ao chão, trazendo estrutura e firmeza para os passos da mulher contemporânea.

Como pano de fundo para seu show, Maria Grazia Chiuri, como já é de costume, escolheu destacar o talento de uma artista mulher. Essa prática, que transforma os salões em instalações de arte imersiva, é uma constante no trabalho da diretora. Dessa vez, as paredes foram tomadas por criações da indiana Karishma Swali. A artista trouxe símbolos mitológicos e literários em paisagens naturais repletas de motivos florais para representar “histórias de feminilidade através de gerações”.

A instalação, que leva o nome The Flowers We Grew (As Flores Que Cultivamos), foi formada por grandes painéis de tecido bordado, feitos por artesãos de Mumbai, e reproduziu com perfeição as pinturas em guache, aquarela e tinta criadas por Swali. O ambiente, construído especialmente para o desfile, ficará aberto à visitação pública até o dia 2 de fevereiro.

*Estadão Conteúdo


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