Política

Empresários fazem superdoações e elegem ‘bancadas’ de vereadores pelo país


NICOLA PAMPLONA E VITOR ANTONIO
RIO DE JANEIRO, RJ, SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O partido do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), elegeu 5 dos 9 vereadores de São José da Laje, município de cerca de 24 mil habitantes a 100 km de Maceió. Todos receberam recursos do empresário paulista Rubens Ometto.

Maior doador individual para campanhas políticas no país nas últimas quatro eleições, Ometto também ajudou a eleger maioria na Câmara de outro município alagoano, Igreja Nova, a 150 km da capital. Desta vez, com apoio a candidatos do MDB do senador Renan Calheiros e do PSB.

A eleição de maiorias em Câmaras Municipais não é privilégio de Ometto. O empresário Erasmo Batistella, por exemplo, apoiou financeiramente 14 dos 21 vereadores eleitos em Passo Fundo (RS), a 300 km de Porto Alegre.

Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) analisados pela reportagem, ao menos outras oito cidades brasileiras terminaram a eleição com “bancadas próprias” de empresários doadores.

O levantamento leva em consideração doações que foram realizadas por pessoas físicas diretamente aos candidatos ao cargo de vereador.

A doação de pessoas físicas é legal e despontou como alternativa de financiamento de campanhas após a proibição de repasses por empresas em 2015. É limitada a 10% do rendimento declarado pelo doador à Receita Federal, o que permite doações milionárias como a de Ometto.

Na eleição de 2024, segundo o TSE, 25 pessoas doaram mais do que R$ 1 milhão –foram três a mais do que em 2020, em valores corrigidos pela inflação. O valor das superdoações, porém, disparou: as 20 maiores somaram R$ 71,2 milhões, quase o dobro da eleição municipal anterior.

Marco Antônio Teixeira, coordenador do mestrado em gestão e políticas públicas da FGV, diz que a disparidade no valor de doações –Ometto, por exemplo, colocou mais de R$ 19 milhões– torna a competição desigual.

“Na realidade, a regra permite que quem tem mais dinheiro tenha mais capacidade de construir apoio e de formar suas bancadas”, afirma. “Como o dinheiro é fundamental para fazer política, quem doa tem acesso privilegiado a quem foi eleito.”

Ometto, por exemplo, além de eleger vereadores em São José da Laje, doou R$ 114 mil à campanha da prefeita eleita, Vanessa (MDB), o equivalente a um terço de tudo o que a candidata poderia gastar na eleição.

Para os vereadores eleitos, doou R$ 15 mil, dois terços do teto de gastos estipulado pela Justiça Eleitoral. Procurado, o empresário se limitou a dizer, por meio de sua assessoria, que as doações respeitam a legislação vigente.

“O município regula o uso e ocupação do solo. Isso é fundamental para definir se um empresário vai poder ter ou não ter propriedade, ter ou não ter empreendimento, construir ou não construir em determinado padrão”, diz Marco Antônio Teixeira.

Ometto é proprietário do conglomerado Cosan, com operações no agronegócio, mineração, transporte e nas indústrias de combustíveis e gás natural, que não tem operações diretas nem em São José da Laje nem em Igreja Nova. As duas cidades, porém, sediam usinas de açúcar e etanol.

Batistella, por outro lado, tem operações baseadas em Passo Fundo. Sua empresa, Be8, é sediada no município, com unidade industrial em operação e planos para uma nova planta de produção de biocombustíveis.

Por meio de sua assessoria, ele disse apenas que realizou doações eleitorais “de acordo com a legislação vigente” no país e que os repasses são públicos, foram declarados e podem ser consultados no site da Justiça Eleitoral.

Com interesses diretos sobre potenciais construtivos e planos diretores de cidades, outros dois empresários que ajudaram a eleger vereadores em cidades onde têm negócios são Alex Veríssimo Mendes, em Santos (SP), e Rogério Chor, no Rio de Janeiro –ambos do ramo imobiliário.

Proprietário do Grupo Mendes, o primeiro doou recursos para 7 dos 21 eleitos para a Câmara Municipal santista. O segundo, da TGB Imóveis, ajudou a eleger 8 dos 51 vereadores que tomarão posse na Câmara carioca em 2025.

Mendes não quis comentar o assunto. Chor disse que não espera benefícios diretos dos candidatos que apoiou –escolhidos, segundo ele, por priorizar o desenvolvimento econômico da cidade.

Ele concorda que empresários doadores podem ter maior acesso aos eleitos do que cidadãos comuns, mas diz que é natural que pessoas proeminentes em suas áreas estejam mais perto do poder decisório.

“Um vereador que trate de cultura, por exemplo, vai receber o proprietário de um teatro.”

“Quando o município incentiva o empreendedor, está beneficiando o cidadão comum. Porque é quem dá emprego”, defendeu, citando o aquecimento do setor imobiliário no Rio após mudanças em restrições a construções no centro de na zona sul da cidade. “Hoje falta mão de obra, de tanto emprego gerado.”

Também empresário do agronegócio, Odílio Balbinotti Filho doou R$ 3,7 milhões para candidatos e comitês partidários de Rondonópolis (MT), a 220 km de Cuiabá, e ajudou a eleger o prefeito, Cláudio Ferreira de Souza (PL), a quem destinou R$ 540 mil, e 4 dos 21 vereadores eleitos no município.

A cidade sedia sua empresa de sementes, a Atto. Balbinotti também foi procurado e também não havia respondido até a publicação do texto.


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