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Entenda em 5 pontos as fragilidades do pacote fiscal do governo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na quarta-feira (27) um pacote de contenção de fiscal cuja expectativa do governo é gerar uma economia de mais de R$ 70 bilhões ao longo dos próximos dois anos.

Além das medidas de corte de gastos, Haddad enviou ao Congresso uma das principais promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): o projeto de isenção do Imposto de Renda (IR) aos contribuintes que ganhem até R$ 5 mil.

O anúncio como um todo, porém, gerou um mal estar generalizado no mercado, de modo que o dólar fechou um pregão pela primeira vez na história acima do patamar de R$ 6. Olhando para o resto do mundo, nota-se que o real teve o pior desempenho cambial na semana do anúncio.

A seguir, entenda em cinco pontos as fragilidades que desagradaram os investidores em relação ao pacote fiscal.

Comunicação

O primeiro atrito no diálogo foi a própria maneira como foi iniciado. A divulgação em rede nacional às 20h30 de uma quarta-feira foi visto mais como um “vídeo de campanha” política, do que um anúncio efetivo de medidas econômicas.

“Ao invés de vender isso como um ajuste necessário, especialmente no ambiente externo bastante pior do que se imaginava, fica essa bagunça, esse saco de gastos de medidas”, avaliou Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central (BC) e colunista do CNN Money, após o anúncio.

A falta de detalhamento incomodou o mercado, mas o governo já havia planejado uma coletiva de imprensa para explicar as medidas no dia seguinte.

Porém, mesmo com os esclarecimentos, a dúvida seguiu no ar, segundo Helena Veronese, economista-Chefe da B.Side Investimentos.

“Apesar de reforçar na sua fala que a medida pressupõe uma neutralidade tributária, já que viria acompanhada de uma compensação, não está claro, em números, como isso aconteceria. Além disso, esta neutralidade conta com uma aprovação no Congresso tanto da isenção para quem ganha até R$ 5mil, quanto do aumento de impostos para quem ganha acima de R$ 50 mil, uma questão delicada e que pode, sim, resultar em menos receita para o governo”, escreveu em nota pós-coletiva.

O maior detalhamento viria com a divulgação dos textos, após o encaminhamento ao Legislativo. “Tem pouca explicação de cada item. A falta de informação alimenta a desconfiança. E há itens ali que não tratam de ajuste fiscal, como a DRU”, avalia Zeina Latif, sócia-diretora da Gibraltar Consulting.

Ainda que o pacote tenha incluído algumas medidas avaliadas como “de fato estruturais” por Veronese e outros analistas, a comunicação continuava falha para lidar com um dos elefantes na sala.

Isenção do Imposto de Renda

“A nosso ver, o governo errou ao misturar dois assuntos que deveriam ter sido apresentados em momentos distintos: após longas semanas de espera por um anúncio de corte de gastos, este anúncio veio acompanhado e ofuscado pela desoneração do IR para quem ganha até R$ 5 mil, ou seja, por uma medida que implica em abrir mão de receita. A impressão que se passa é a de um governo pouco comprometido com a austeridade das contas públicas”, explica a economista-Chefe da B.Side Investimentos.

A medida divide opiniões entre quem a defende pela isonomia que pode trazer à tributação às pessoas físicas do país, e quem avalia que este não era o momento para anunciar uma proposta de renúncia fiscal.

“Em meio à desconfiança crescente do mercado sobre a condução da política econômica, sobremodo a fiscal, novas camadas de incerteza sobre a solidez das contas públicas foram lançadas”, pontua Murilo Viana, economista da Finance Consultoria.

“A medida terá um custo fiscal muito elevado, entre mais de R$ 40 bilhões e cerca de R$ 100 bilhões ao ano, a depender se a ampliação da faixa de isenção resultará também na correção das outras faixas da tabela do IRPF”, conclui o especialista em contas públicas.

Pacote tímido e superestimado

Dentre as medidas apresentadas pelo chefe da equipe econômica, foi contemplada a limitação do crescimento do salário mínimo ao intervalo permitido pelo arcabouço fiscal, uma das principais demandas do mercado a fim de se assegurar a sustentabilidade da nova regra de gastos.

O novo marco, aprovado em 2023, deu fim ao teto de gastos. A partir de então, as despesas do governo podem crescer entre 0,6% – em períodos de retração – e 2,5% – em momentos de expansão – acima da receita do ano anterior e com valores corrigidos pela inflação. Dentro da banda, os gastos poderão crescer até 70% da variação da receita do ano anterior.

Porém, valores como os do salário mínimo e outras despesas do governo vêm crescendo a um ritmo maior que o permitido pela regra fiscal, de modo a pressionar os gastos discricionários – os investimentos – no orçamento federal.

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Outras propostas incluídas foram:

  • Reajuste no abono salarial;
  • Adequar o crescimento dos gastos com as emendas parlamentares ao limite do arcabouço (2,5% ao ano);
  • Mudanças na idade mínima para aposentadoria dos militares;
  • Limitação de transferência de pensões.

Apesar de o pacote atender algumas medidas pleiteadas pelo mercado, a avaliação é de que a execução dessas demandas não foi adequada e que o conjunto da obra não foi arrojado o suficiente, aponta Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter.

“A revisão do abono e a limitação do reajuste do salário mínimo vão na linha correta, assim como o uso de emendas para cumprir o piso de gastos da saúde, o que deve limitar o crescimento mais acelerado dessas despesas, mas com impacto tímido pelas regras anunciadas”, afirma Vitória.

Mas, mesmo que algumas medidas sejam acertadas, o que se aponta é que a economia apontada pelo governo (R$ 71,9 bilhões) é superestimada.

“A Fazenda com frequência exagera no impacto das medidas. Então, para além do equívoco de discutir tributação agora (o que foi afastado pelo Congresso), o valor em si do impacto fiscal seria insuficiente e, pior, provavelmente menor do que o estimado”, enfatiza Zeina Latif.

De acordo com estimativa do BTG Pactual, a quantia que deve ser economizada nos próximos anos é R$ 26 bilhões menor que a apontada pela equipe econômica do Executivo.

Com essa fraqueza das medidas em mente, Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do BC e presidente do Conselho de Administração da Jive Mauá, acredita que a alta da Selic, a taxa de juros básica do país, deve acelerar a 0,75 ponto percentual na próxima e última reunião de 2024 do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para os dias 10 e 11 de dezembro.

Já a equipe de analistas do Itaú estima uma defasagem de R$ 19 bilhões. “Mantemos nossa avaliação geral de um pacote aquém do esperado e com poucas mudanças estruturais. A escolha da mudança de regra do salário-mínimo traz ganhos inferiores aos ideais no longo prazo (em 10 anos de R$ 80 bi vs R$ 300 bi se a regra fosse equivalente a 70% do PIB t-2, assumindo PIB médio de 2% a frente, por exemplo)”, explica Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco.

“A diferença frente às estimativas do governo vêm principalmente de uma menor expectativa de ganhos com reforço de medidas antifraude e do governo esperar uma economia com a prorrogação da DRU. O Ministro da Fazenda também anunciou que os programas pé-de-meia e vale-gás estarão dentro do orçamento e das estatísticas fiscais, o que , se implementado, ajudaria a diminuir parte das preocupações com criatividades contábeis, embora sem implicar em economia fiscal.”

Sustentabilidade da dívida pública

Apesar deste último ponto, alguns economistas avaliam que as medidas possam ser suficientes para dar fôlego ao arcabouço, pelo menos até o final deste mandato de Lula.

“Mesmo que não confessem, o objetivo da equipe econômica é dar um fôlego ao arcabouço até 2026, evitar que colapse antes. Depois um novo governo toca isso ou vai ter que rever”, aponta Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria.

Porém, Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA, avalia que este já era um ponto que deveria estar claro e ser garantido, uma vez que trata da questão do governo atender a regra que ele próprio estabeleceu e não furar com a lei de responsabilidade fiscal.

“E como a média do mercado, de acordo com o Prisma Fiscal, tem uma projeção de despesa crescendo em linha com o arcabouço, apenas garantir esta trajetória não deveria ser um fato novo positivo”, indaga Bittencourt.

O que seria positivo seria o pacote levar a dívida pública bruta do país à estabilização e, em seguida, à sua retração. “Não víamos as medidas individuais de cortes de despesas como um fator que contribui para a sustentabilidade fiscal de longo prazo, porque a intenção do governo era viabilizar o limite de despesa do arcabouço”, diz o analista do ASA.

Aqui, Samuel Pessôa, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e chefe de pesquisa do Julius Baer Brasil, retoma a questão da isenção do IR.

“Qual é o problema estrutural que mais incomoda o mercado financeiro? É haver regras que obrigam que o gasto público cresça mais rapidamente que a economia. Agora, o governo anunciou um pacote econômico que o ponto mais importante é uma desoneração de R$ 50 bilhões”, afirmou Pessôa em entrevista ao WW.

O pesquisador da FGV indica que a medida pode pressionar ainda mais a situação da dívida pública brasileira. Ele aponta que Lula pode encerrar seu terceiro mandato deixando o país com um endividamento cujo valor é equivalente a 86% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – a soma de todas as riquezas geradas no país.

Caso concretizada a previsão, isso significaria um buraco 14 pontos percentuais maior que o recebido do governo anterior, de Jair Messias Bolsonaro (PL), que encerrou seu mandato com uma dívida de 72% do PIB.

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“A minha impressão é de que a equipe econômica se deu conta de que não é possível estabilizar a relação dívida/PIB e nem reduzi-la sem mudanças estruturais muito profundas”, conclui Maílson da Nóbrega.

“O pacote tem medidas na direção correta, mas perdeu credibilidade na partida. E assim, mesmo com coisa boa não, resolve o problema do crescimento da relação dívida/PIB. Pode adiar a crise, mas o encontro com o colapso de expectativas ainda está posto no horizonte.”

Embate político

Por fim, o cenário político não parece ser o mais favorável para a tramitação do pacote. Com menos de um mês até o recesso parlamentar, o Executivo espera que as medidas sejam aprovadas ainda este ano, mesmo com outras agendas travando a fila.

Além disso, o mercado teme que o pacote, que já é frágil, seja ainda mais enfraquecido ao passar pelas mãos do Legislativo.

“Entendemos que há detalhes ainda em aberto e que há riscos de tramitação no Congresso, como, por exemplo, na definição do que será contabilizado como renda tributável e riscos de aumento da elisão fiscal, com os contribuintes buscando formas de evitar o aumento de tributação”, conclui Schneider, do Itaú.

Por conta da resistência da própria base do governo a algumas medidas fiscais que mexem com programas sociais, Maílson da Nóbrega acredita que “não há ambiente político para fazer essa reforma”.

O diagnóstico final de Rafaela Vitória, do Inter, é de que as medidas anunciadas devem acabar sendo insuficientes para zerar inclusive o déficit de 2025. O governo trabalha com o objetivo de fechar as contas no “zero a zero”, mas com uma margem para primário de 0,25% do PIB, equivalente a cerca de R$ 28,8 bilhões.

A estimativa do Inter, porém, é de que os gastos do governo acabem em R$ 110 bilhões em 2025, ou 0,9% do PIB.

“O corte estimado de apenas R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 70 bilhões em 2026 é baixo considerando o crescimento de gastos de mais de R$ 400 bilhões entre 2024 e 2025 e mostra a dificuldade política do governo em enfrentar a necessidade de revisão mais ampla dos gastos, incluindo programas sociais que tiveram crescimento acelerado e pró-cíclicos nos últimos dois anos”, afirma Vitória.

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