“Eu era tratada como cachorro”, afirma adolescente abusada por mãe de santo no DF
Tereza Neuberger e Amanda Karolyne
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A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), divulgou nesta segunda-feira (10/03), a prisão de Hayra Vitória Pereira Nunes, 22 anos, envolvida em crimes de tortura, exploração sexual de adolescentes, lesão corporal grave e associação criminosa. A suspeita foi presa, na tarde da última quinta-feira (06/03), por equipes de policiais civis lotados na Seção de Atendimento à Mulher (SAM), da 14ª Delegacia de Polícia do Gama, durante a Operação Black Magic, na cidade de Planaltina de Goiás, GO.
A investigação começou no dia 27 de janeiro. Na ocasião, uma família procurou a delegacia para relatar fatos que os investigadores acreditaram ser muito graves. “O relato era de situações extremamente graves e incomuns. Então tomamos as primeiras providências, como fazer o registro de ocorrência e o encaminhamos a vítima para o Instituto de Medicina Legal (IML)”, destaca o delegado William Andrade Ricardo, da 14ª Delegacia de Polícia do DF.
Os crimes ocorriam há vários meses no Setor Leste do Gama, e de acordo com as investigações, Hayra encontrou o local onde realizou os abusos por volta de novembro de 2024, quando procurava um centro de Umbanda para frequentar e achou, no setor leste do Gama, a Tenda Espiritual Vovó Maria Conga Aruanda. Lá, ela submetia mulheres e adolescentes a atos de extrema violência física e psicológica, além de explorá-los sexualmente para obter vantagens financeiras.
“No local, uma adolescente sofreu queimaduras graves nas mãos e na língua, além de ter sido agredida com pauladas na cabeça e em outras partes do corpo.” Ainda segundo a PCDF, uma das vítimas fugiu do local no dia 24 de janeiro de 2025, e outra, um adolescente, conseguiu escapar dois dias depois. “Ambos permaneceram escondidos por algum tempo, inclusive pernoitando em um matagal, temendo serem encontrados pela autora dos crimes”, afirma o delegado.
Ele destacou que Hayra e a família dela residiam na casa onde funcionava o centro religioso. “A princípio, tudo transcorreu bem, até 15 dias depois em que a vítima começou a ser constrangida a se prostituir e também a realizar serviços domésticos, tudo com a justificativa de pagar as despesas de moradia e os gastos de sustento de uma pessoa”.
A partir daí, passaram a ocorrer situações de exploração sexual e foi relatado que o adolescente não recebia os pagamentos pelas atividades que realizava, o dinheiro ia direto para Hayra. Lá no local, eram cometidos abusos físicos e psicológicos. “Ela agia de má-fé e atraia pessoas em situação de vulnerabilidade para realizar serviços domésticos, explorá-los sexualmente e cometer atos de tortura”.
A atuação policial possibilitou a coleta de elementos probatórios que fundamentaram o pedido de prisão e busca domiciliar na residência da suspeita.
Punição em nome do santo


No local, uma adolescente de 17 anos sofreu vários abusos, incluindo queimaduras graves nas mãos e na língua, além de ter seus cabelos cortados à força, ter sido agredido com pauladas na cabeça e em outras partes do corpo, como punição em nome de um pai de santo. Ao Jornal de Brasília, a vítima, que prefere não ser identificada, relatou que uma amiga apresentou o terreiro de Hayra a ele. No início, Hayra foi muito bem receptiva e fez promessas de o ajudar a ter uma vida melhor e dar o apoio que ela buscava no momento.
Ela percebeu que as coisas ficaram estranhas quando passou a morar com Hayra. “Ela passou a falar que na casa dela eu não tinha voz e tudo que ela mandasse era para eu fazer. Eu era tratada como cachorro e ela fazia questão de falar isso”.
A vítima tinha que cuidar dos filhos da criminosa, que fazia constantes ameaças dizendo que se ela fosse embora e chegasse a falar algo para alguém, ela iria matar a mãe e os irmãos e depois a mataria. Ela reforçou que a única vida que tinha era para ir ao mercado ou padaria e também para comprar remédios para Hayra.
Seis dias depois de ser revelado em uma sessão espírita que a vítima supostamente tinha roubado R$200 de Hayra e de ter sido agredida nas mãos e na língua, a jovem conseguiu fugir do local. “Eu não roubei nada em momento algum, mesmo me prostituindo e tendo direito ao dinheiro. No dia que eu fugi, tranquei todo mundo na casa e simplesmente saí correndo com a roupa do corpo e um dinheiro que eu tinha”, contou.
Mesmo com a prisão de Hayra, a mãe da vítima, que também prefere não se identificar, não se sente tranquila. O que ficou de ensinamento para ela desse pesadelo, foi a noção de acolher mais os filhos e estar sempre perto. Ela espera que os pais e mães fiquem mais atentos com suas crianças e com quem elas andam.
Sem arrependimentos
De acordo com o delegado, ao ser interrogada pelos investigadores, Hayra não mostrou nenhum arrependimento e não confessou o crime. “Confrontada sobre as lesões, que são muito graves e chocantes, ela disse que tinha conhecimento, mas não sabe como ocorreu”, acrescentou.
No momento da prisão de Hayra, ela estava acompanhada do marido, mas também havia crianças na residência e alguns parentes. “Um fato que chamou atenção da investigação é que havia também pelo menos mais um adolescente de 15 anos lá, quando a equipe policial chegou para realizar a prisão”, comentou. Para o delegado, esse menino disse que talvez fosse morar ali com aquelas pessoas. Por isso, ele enfatizou a possibilidade de haver outras vítimas. “Estamos divulgando que se alguém tiver alguma informação de outras vítimas, às vezes as pessoas ficam com vergonha de vir até a delegacia, mas pode ser feita denúncia anônima”, salientou.
O delegado ressaltou que foi pedida a prisão temporária por 30 dias da autora, podendo ser prorrogada por mais 30 dias. É importante destacar que é uma investigação sobre tortura e exploração sexual, podendo haver ainda o indiciamento pelo crime de cárcere privado, já que a vítima dizia que não poderia sair da residência, para não chamar atenção ou entrar em contato com a mãe para falar sobre a exploração sexual e outros crimes que estavam ocorrendo ali”.
Conforme apurado pela investigação, havia uma outra vítima, uma mulher de 35 anos. Ela fugiu do local no dia 24 de janeiro de 2025. “A primeira vítima relatou estar com muito medo e saiu do Distrito Federal. Conseguimos o depoimento dela rapidamente, mas ela não ia fazer o registro desses fatos”.
A atuação policial possibilitou a coleta de elementos probatórios que fundamentaram o pedido de prisão e busca domiciliar na residência da suspeita. Não há registros criminais anteriores no nome de Hayra e o delegado explicou que a Tenda Espiritual Vovó Maria Conga Aruanda já funcionava há algum tempo. “Foi a primeira vez que houve denúncias em relação a esse local”, finalizou.