Fundo para Pandemias quer investir em projetos que conectem saúde animal e humana, diz diretora
RAQUEL LOPES E NATHALIA GARCIA
RIO DE JANEIRO, RJ E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Em sua segunda rodada de financiamentos, o Fundo para Pandemias pretende incentivar projetos que adotem uma abordagem única e integrada conectando saúde animal, humana e ambiental, conceito chamado One Health (Uma Só Saúde).
As prioridades incluem sistemas de alerta precoce, vigilância, diagnósticos e fortalecimento da força de trabalho em saúde, afirma a diretora-executiva do Fundo para Pandemias, Priya Basu, em entrevista à Folha de S.Paulo.
Segundo ela, o plano estratégico para os próximos cinco anos busca preencher lacunas de financiamento na área da saúde. A ideia é não duplicar esforços e, por isso, iniciativas voltadas para vacinas não entram no escopo de contribuições do fundo.
Lançado em 2022 com apoio dos países-membros do G20, o Fundo para Pandemias é um mecanismo multilateral criado para fornecer recursos a países de baixa e média renda, fortalecendo a capacidade de preparação e resposta dessas nações a futuras pandemias.
Segundo Basu, parcela significativa dos projetos apoiados em 75 países é orientada pelo conceito de saúde única. Ela destaca que as mudanças climáticas intensificam o risco de surtos de doenças zoonóticas -transmitidas entre animais-, o que, por sua vez, aumenta a chance de serem transmitidas para humanos, podendo desencadear novas pandemias.
Um exemplo de crise sanitária que teve origem zoonótica é a pandemia de Covid-19. Inicialmente transmitido de animais, o coronavírus acabou se espalhando entre humanos, demandando uma resposta coordenada entre diferentes áreas da saúde.
Na visão dela, animais estão sendo forçados a deixar seus habitats naturais devido aos fenômenos climáticos e acabam se aproximando de áreas ocupadas por seres humanos. Ao mesmo tempo, mudanças como desmatamento e escassez de água impulsionam a migração humana para novas regiões.
As interações inéditas entre humanos e animais ampliam o risco de transmissão de doenças infecciosas.
“Precisamos fortalecer os sistemas de alerta precoce para doenças zoonóticas e ter laboratórios que possam testar patógenos tanto em animais quanto em humanos”, diz. Ela defende que a força de trabalho inclua médicos, enfermeiros, veterinários e profissionais de saúde animal.
Esse foco dialoga com uma das prioridades da presidência brasileira do G20, que busca fortalecer a estratégia Uma Só Saúde.Com a integração de saúde humana, animal, vegetal e ambiental, o objetivo é aumentar a resiliência global diante de desafios como pandemias, resistência antimicrobiana e mudanças climáticas.
Ao término da reunião ministerial de Finanças e Saúde do G20, os países reafirmaram na declaração final o compromisso com a adoção da abordagem Uma Só Saúde como preparação para futuras emergências -o que permite a promoção de ações colaborativas intersetoriais e multidisciplinares.
Para atender às necessidades dos países de baixa e média renda entre 2025 e 2027, o Fundo para Pandemias tem como meta arrecadar ao menos US$ 2 bilhões (cerca de R$ 11,5 bilhões) nessa nova fase de captação de recursos.
Em três meses, o mecanismo atingiu quase 50% desse montante, com arrecadação de US$ 982 milhões (aproximadamente R$ 5,7 bilhões). Os compromissos foram assumidos por dez países: Austrália, Índia, Japão, Noruega, Portugal, Cingapura, Espanha, Itália, Estados Unidos e Alemanha -os dois últimos reafirmaram os valores prometidos em julho.
A segunda rodada de financiamento vai até o primeiro semestre do ano que vem. O Brasil ainda não contribuiu financeiramente com o Fundo para Pandemias nesta etapa, mas sinalizou a intenção de anunciar doação nos próximos meses.
Além de potencial doador, o Brasil é elegível para receber recursos do fundo para o financiamento de projetos. Segundo a diretora-executiva, o país foi contemplado na primeira rodada com aporte em uma iniciativa transnacional para a Bacia Amazônica. “Esperamos que também receba financiamento em futuras rodadas para fortalecer suas capacidades”, diz.
Basu reconhece que dinheiro é um aspecto importante, mas diz que também é fundamental investir os recursos com sabedoria. Na visão dela, o que torna o mecanismo impactante é sua estrutura como catalisador de investimentos. O fundo estima que cada dólar concedido em subsídios alavanca US$ 6 adicionais.
O esforço colaborativo envolve, além dos governos, Banco Mundial, OMS (Organização Mundial da Saúde), outras agências da ONU (Organização das Nações Unidas), bancos multilaterais de desenvolvimento, entidades filantrópicas e organizações da sociedade civil.
Para a diretora-executiva, o Fundo para Pandemias é um exemplo do multilateralismo em ação, apesar das dificuldades impostas por um cenário de fragmentação global. “A rapidez com que todos os doadores e países se uniram para criar o fundo é um ótimo exemplo do que podemos alcançar quando trabalhamos juntos. Isso me dá esperança”, afirma.