Governo Lula abre diálogo sobre big techs em meio a pressão e cenário indefinido
RENATA GALF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Ao completar dois anos de mandato, o governo Lula (PT) decidiu abrir um debate público de modo mais amplo sobre a regulação e políticas de moderação das redes sociais e plataformas, em meio a um cenário de pressão e em que ainda há muita indefinição sobre qual estratégia tomar.
Após resposta da Meta (dona do Facebook e Instagram), confirmando que mudanças de suas políticas de moderação valiam também para o Brasil, com exceção do fim imediato do programa de checagem, a AGU (Advocacia-Geral da União) convocou uma audiência para esta quarta-feira (22) e abriu uma consulta para envio de sugestões.
Entre as questões em aberto, está como será a postura das plataformas daqui em diante e qual impacto de eventuais mudanças -como as já anunciadas pelo CEO Mark Zuckerberg, no caso da Meta-, diante de uma alteração importante no cenário geopolítico, com a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.
No plano interno, também há uma série de fatores que influenciam o tema. Um desses pontos recai quanto a como o novo presidente da Câmara dos Deputados lidará com o tema -a eleição para o cargo acontecerá no próximo dia 1º. Outro ator importante é o STF (Supremo Tribunal Federal), que começou a julgar no fim do ano passado ações que discutem a responsabilidade das redes sociais -e cuja análise foi suspensa em dezembro após pedido de vista.
Ainda não há uma definição sobre qual estratégia guiará a atuação do governo federal no tema da regulação este ano.
Uma possibilidade é que, a partir dos subsídios da audiência, o governo faça nova manifestação do Supremo. Na ação no tribunal, a Meta tinha adotado tom oposto ao que usa agora.
Após reveses no tema da regulação das plataformas, em especial depois de o chamado PL das Fake News ter sido enterrado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), no ano passado, o governo chega ao meio do mandato sem ter conseguido aprovar alguma proposta sobre o assunto, que era uma de suas bandeiras de campanha.
Com as eleições de 2026 cada vez mais próximas no horizonte, na prática, este ano é a última janela de oportunidade para que se consiga, ainda nesta gestão, encaminhar esta pauta -que cresceu em relevância após o anúncio de Mark Zuckerberg sobre as alterações na política de moderação da Meta, no último dia 7, que teve discurso claro de embate a iniciativas regulatórias.
O início deste ano foi marcado também por uma das principais derrotas políticas deste terceiro mandato de Lula, que levou à revogação de norma sobre o Pix, colocando mais uma vez o debate político nas redes sociais no centro da discussão.
Dentro da estrutura do governo, pesa ainda o desafio de articulação e diálogo, frente às várias pastas que em alguma medida buscam atuar no tema.
A audiência pública desta quarta será presidida pela AGU e terá representantes do Ministério da Justiça, da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), do Ministério dos Direitos Humanos e do Ministério da Fazenda.
Foi a AGU quem notificou a Meta para que prestasse esclarecimentos sobre o anúncio de seu CEO. O órgão atua no julgamento no STF como amigos da corte desde o ano passado e tem protagonismo dentro do governo na temática de desinformação por meio da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia.
Já na Secom, que agora está sob nova chefia, fica a Secretaria de Políticas Digitais, enquanto na pasta da Justiça, está a Secretaria de Direitos Digitais. Ambas tiveram papel importante nos debates sobre o PL das Fake News, por exemplo.
Ainda na transição de governo, em 2022, uma das propostas do grupo de trabalho de comunicações era iniciar o debate sobre regulação das plataformas a partir de uma consulta pública nos primeiros cem dias de governo. Mas, depois dos ataques de 8 de janeiro de 2023, se decidiu dar uma resposta imediata à questão.
Inicialmente a pasta de Justiça, então chefiada por Flávio Dino, hoje ministro do Supremo, buscou que o governo regulasse conteúdos antidemocráticos nas redes por meio de uma medida provisória. Após críticas, optou-se por enviar uma proposta ao deputado federal Orlando Silva (PC do B -SP), que era relator do PL das Fake News, que tramitava desde 2020 na Câmara.
O projeto chegou a ter a urgência aprovada, mas acabou travando em 2023, frente ao intenso lobby das empresas e também da resistência da oposição. Mas pesou também contra a tramitação a amplitude de temas inseridos.
Dentro da estrutura da pasta da Justiça, também tem destaque a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que pressionou as plataformas em meio a casos de ataques a escolas em 2023.
Já o Ministério da Fazenda se aproxima do tema sob a ótica econômica e concorrencial, tendo inclusive aberto uma consulta sob essa perspectiva no início de 2024.
No plano do debate internacional, a Secom teve destaque com as discussões sobre integridade da informação no G20, que realizou encontro no Rio de Janeiro em novembro. A pasta tem entre seus focos também iniciativas de educação midiática e de combate à desinformação sobre saúde.
Bruna Martins dos Santos, especialista em governança na internet e membro da Coalizão Direitos na Rede, que inclui várias organizações da sociedade civil envolvidas com direito digital, vê a iniciativa da audiência pública como bem-vinda, mas entende que ela vem com algum atraso.
“Acho que o governo foi lidando com a pauta na medida que as crises foram acontecendo”, diz ela, citando por exemplo o episódio dos tiroteios nas escolas. Com isso, avalia que ficaram em segundo plano medidas focando em soluções mais perenes.
Para Paloma Rocillo, diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris), frente ao anúncio da Meta não caberia ao governo não tomar qualquer medida. “Demonstraria uma negligência do governo a um fato político muito contundente. Acho que não existia campo de silêncio”, diz ela.
Ela faz uma avaliação de que, enquanto no primeiro ano de governo, em 2023, houve uma descoordenação política ao redor da pauta digital, no segundo ano, o que se viu foi a falta de fôlego para levar uma proposta de regulação adiante, depois de o PL das Fake News fracassar.