Juntar pacote fiscal com isenção de IR foi ‘tiro no pé’, diz Christopher Garman
O cientista político Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas do grupo Eurasia, empresa de consultoria e análise de risco, criticou a decisão do governo brasileiro de anunciar o pacote de corte de gastos junto com a ampliação de isenção do Imposto de Renda (IR). Segundo ele, essa estratégia foi um ‘grande tiro no pé’.
Após semanas de expectativa do mercado financeiro, o governo enviou ao Congresso Nacional, no início da semana, uma proposta de corte de gastos obrigatórios que prevê uma economia de cerca de R$ 70 bilhões para os próximos dois anos, incluindo mudanças nas regras sobre o salário mínimo e o abono salarial. Até 2030, a economia seria de R$ 327 bilhões, segundo cálculos da Fazenda.
O governo também pretende encaminhar ao Congresso uma proposta para elevar a faixa de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil. A medida, anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim de novembro, deve causar um impacto fiscal de R$ 35 bilhões em perda de arrecadação, segundo o próprio ministério.
Em contrapartida, a equipe econômica anunciou uma taxação mínima de 10% para quem recebe R$ 600 mil ao ano, o equivalente a R$ 50 mil por mês.
Garman explica que a equipe econômica, liderada pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, até obteve êxito em convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a necessidade de ajustar as contas públicas. Ele afirma que a preocupação com a dívida pública tem contribuído para a desvalorização do real nos últimos meses, gerando expectativas de inflação mais altas e pressionando o Banco Central (BC) a aumentar os juros.
“O argumento da equipe econômica foi que, se nós não fizermos os ajustes das contas agora, não teremos condições para poder permitir que o Banco Central possa reduzir juros lá na frente”, disse.
No entanto, o diretor da Eurasia avalia que o incômodo político gerado por esse anúncio foi o que levou o presidente Lula a também propor uma medida mais eleitoreira, como a isenção do imposto de renda para salários de até R$ 5 mil.
O diretor da Eurasia argumenta que essa combinação de medidas gerou preocupações sobre a capacidade de financiar a isenção e potencialmente aumentar o consumo e a inflação, contradizendo o objetivo inicial de controle fiscal.
“Isso não apenas gera uma preocupação sobre a capacidade de financiar essa isenção, mas também é uma política que gera mais consumo e, portanto, mais inflação exatamente quando o intuito do governo é tentar controlar esse impulso mais inflacionário. O resultado foi um dólar mais forte, expectativas de inflação crescentes e maiores dificuldades para o Banco Central”, observou.
Cenário externo desfavorável
O cientista político também destaca que o momento é particularmente delicado devido ao cenário externo. As políticas do governo Donald Trump, nos Estados Unidos, incluindo medidas tarifárias mais duras e uma postura anti-imigração mais ferrenha, somadas à falta de melhoria nas contas públicas americanas, tendem a gerar mais inflação global e fortalecer o dólar.
“Tudo isso gera mais inflação e isso também se traduz em um dólar mais forte e moedas de mercados emergentes, como a do Brasil, mais desvalorizadas. Em outras palavras, exatamente quando o governo precisava dar um sinal construtivo para se proteger perante um ambiente externo mais adverso, ele fez justamente o oposto”, afirmou.
“Isso se traduz, no Brasil, com juros mais elevados, câmbio mais depreciado, mais inflação e, politicamente para 2026, gera mais riscos para o presidente Lula nesses próximos anos”, concluiu.