Na nova era Trump, Semana de Moda de Milão sinaliza fluxo oposto à caretice
RENATA BROSINA
MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS)
Diferente das edições anteriores, o calendário de moda masculina europeu coincidiu com um evento que desviou as atenções do público para Washington, na última segunda (20). Bernard Arnault, fundador e CEO da LVMH, esteve, ao lado dos filhos Delphine e Alexandre, na posse presidencial de Donald Trump.
A presença do nome mais poderoso da moda, há poucas fileiras dos ex-presidentes americanos, como final de apoio a Trump, sem dúvida, gerou forte incômodo na indústria. Afinal, pensar em conservadorismo não é um movimento atraente para as grifes (muitas delas com mais de meio século de história) que vêm, nos últimos dez anos, passando pelo desafio de resgatar suas tradições sem parecerem ultrapassadas. As narrativas têm sido construídas pelos diretores criativos para adaptar arquivos das casas em novos diálogos na passarela.
Mesmo com a ausência de uma série de marcas, entre elas Fendi, JW Anderson e a inexpressiva Gucci, a programação da Semana de Moda de Milão contou com nomes de força, que são considerados sinônimo de Made in Italy e, coincidentemente, não pertencem a conglomerados de luxo. Isso significa que ser “indie” permite ser fiel aos seus valores e livre para seguir seus instintos.
“Instinto” foi a palavra usada por Miuccia Prada e Raf Simons para formar o título da sua coleção “Unbroken Instincts”. “Há pequenos gestos que são inexplicáveis. Cada vez mais, não desejamos nos limitar. O que nos atrai é o oposto -um diálogo inconsciente entre ideias, vindas de todos os lugares, e então permitindo que elas estejam juntas de uma forma que pareça incomum e nova”, comenta Raf Simons.
Por isso, impulsos selvagens e romantismo foram elementos escolhidos para moldar o inverno da Prada. Peles de animais falsas, que resgatam a imagem primitiva de caça, se transformam em golas de casacos e aparecem com motivos florais em versões de capuz. Amuletos, percebidos como símbolos místicos de proteção, são interpretados em metal, tanto presos nas malhas quanto em acessórios e até nos mocassins. Já as botas de cowboy (florais ou não), que estão entre os protagonistas da estação, são combinadas às calças de alfaiataria, de couro ou de tecidos leves. A ousadia espontânea nas sobreposições, que inverte pesos e estruturas, também é uma tradição dos designers, assim como o uso de padronagens delicadas em construções de visuais que poderiam ser, claramente, sisudos.
Dispensando legendas em seus desfiles, Giorgio Armani permanece fiel a sua independência criativa desde 1975. Os reconhecíveis códigos do estilista são reinterpretados em todas as suas etiquetas. Na sua marca homônima, o ideal de sofisticação é traduzido em silhuetas leves e confortáveis, encontros inesperados, seja no uso do colete esportivo em um terno de alfaiataria ou na cartela de cores vibrante que remete às pedras preciosas, ou na escolha de materiais clássicos Armani, como o veludo, que acende a passarela nos looks monocromáticos verde-esmeralda e azul safira.
Quanto a sua assinatura para a Emporio Armani, a sedução é a base para a construção dessa nova versão de elegância para o homem urbano. Surpreendentemente, brilhos, vindos do lurex ou até mesmo do veludo, são as apostas para o guarda-roupa, de paleta de cores quentes e densos, desse jovem aventureiro. “Eu queria criar uma coleção que fosse vibrante e contida. Gosto da ideia de experimentar elementos extremos, como metálicos, estampas de animais, tecidos de pêlo longo e brocados, interpretados, como sempre, através da minha lente estilística pessoal para criar algo elegante e imbuído de personalidade e um equilíbrio singular”, conta o Sr. Armani.
Na etapa parisiense de moda, Pharrell Williams convidou Nigo, ícone do streetwear japonês e diretor criativo da Kenzo, para criar a quatro mãos o que seria o Inverno 2025 da Louis Vuitton. As silhuetas vistas nas ruas do início dos anos 2000 e dândi se encontram em composições de alfaiataria, workwear e sportswear. O uniforme de chef, por exemplo, recebe versão feita em denim. Dentro da linguagem já definida por Williams, desde a sua estreia em 2023, levar peças básicas, porém feitas de maneira artesanal ou com refinamento técnico, é uma das características do seu trabalho, que não dispensa conjuntos formais. Mas, sempre, revisitados para sair do óbvio.
O ponto de partida de Kim Jones para a Dior Men foi a linha H, projetada por Christian Dior em 1954. A sua tradução, da criação de alta-costura feminina do fundador, para o público masculino é reproduzida em tops de seda com mangas esvoaçantes, casacos bordados com amarrações na cintura e saias longas de cintura alta com prega central. Os laços também foram destaque nas mangas bufantes e costas das peças, sendo blazeres ou casacos de ópera. Assim como na Louis Vuitton, Jones destacou o rosa pastel, entre neutros, terrosos e marinhos.
Para encerrar a temporada, Anthony Vaccarello buscou nas criações clássicas do fundador da Saint Laurent, com boa influência do espírito de Robert Mapplethorpe, para construir propostas renovadas para a sua alfaiataria. Conjuntos que, à primeira vista, parecem tradicionais, tendo base como camisas, gravatas, suéteres, blazeres ou casacos de couro, perdem a caretice e ganham um toque de erotismo por conta das botas cuissardes, muitas vezes, usadas com o cano sobreposto a calça. Por enquanto, como vemos, nada conservador por aqui.