Negros morrem 30% mais que brancos por uso de álcool, mesmo com consumo similar
VITOR HUGO BATISTA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A população negra, que inclui pretos e pardos, morre mais por doenças relacionadas ao uso de álcool do que a população branca. A diferença da taxa de mortalidade é de 30%.
A desigualdade de acesso à saúde e o racismo são os principais fatores atribuídos para a disparidade. Entre os negros, as mulheres são as mais vulneráveis.
As informações fazem parte do estudo Álcool e Saúde dos Brasileiros: Panorama 2024, realizado pelo CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), que utilizou dados do DataSUS e da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), de 2022 -os mais recentes disponíveis.
Naquele ano, a taxa de óbitos entre a população preta e parda foi de 10,6 e 10,3 por 100 mil habitantes, respectivamente, enquanto para a população branca essa taxa foi de 7,9.
Entre as mulheres, a diferença é quase o dobro entre negras e brancas. A taxa de mortalidade de pretas e pardas é de 2,2 e 3,2, respectivamente, e entre mulheres brancas, de 1,4.
Dados da pesquisa Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis), de 2023, mostram que a prevalência de uso abusivo de álcool é semelhante entre negros e brancos no Brasil -6,7% e 7,5%, respectivamente, relataram beber três ou mais vezes na semana.
O estudo Álcool e Saúde dos Brasileiros: Panorama 2024 utilizou o cálculo com base na FAA (Fração Atribuível ao Álcool). Essa metodologia utiliza uma porcentagem fornecida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) que indica a proporção de doenças e mortes atribuídas ao consumo de álcool.
Doenças como cardiomiopatia alcoólica, doença alcoólica do fígado e síndrome alcoólica fetal estão totalmente relacionadas ao álcool, porque ocorrem exclusivamente devido ao seu consumo. Para essas condições, 100% das mortes estão relacionadas ao uso de álcool.
Por outro lado, acidentes de trânsito, câncer do fígado, diabetes, entre outras, são doenças parcialmente relacionadas ao álcool. Por isso, cada uma tem uma porcentagem específica de mortes atribuídas ao consumo de álcool.
Cerca de 200 doenças foram catalogadas. Além de raça/cor e gênero, o estudo também analisou faixa etária.
A socióloga Mariana Thibes, coordenadora do CISA, aponta que as disparidades observadas nas taxas de mortalidade não se devem a um maior consumo abusivo de álcool pela população negra -pesquisa Covitel aponta que o consumo entre negros e brancos é semelhante.
Uma combinação de fatores, que incluem racismo, pobreza e desigualdades sociais históricas no país, podem explicar a diferença entre as taxas de mortalidade, segundo Thibes.
“As populações negras vivem em contextos de maior vulnerabilidade social, residindo em áreas mais precárias, com menos infraestrutura de saúde e enfrentando estigmas que dificultam ainda mais o acesso aos serviços”, afirma.
A discriminação racial também atua como um estressor significativo, ampliando problemas físicos e emocionais e levando ao uso nocivo de álcool como uma forma de enfrentamento.
“A pessoa vive em maior risco de desenvolver problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, e acaba bebendo para enfrentar esses problemas, desencadeando um quadro de alcoolismo”, diz.
Ainda mais preocupante é a situação das mulheres negras, que estão entre as mais vulneráveis. De acordo com o estudo, 72% das mortes por transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool ocorrem entre mulheres pretas e pardas.
“Uma mulher preta ou parda que sofre de alcoolismo sofre um estigma ainda maior. Isso retarda a busca por tratamento e torna o acesso ao cuidado adequado ainda mais difícil”, explica Thibes.
Para o médico psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Cisa, é preciso continuar informando sobre o assunto e ampliando o acesso a serviços de saúde com uma abordagem voltada para populações em maior risco.
“Informações sólidas ajudam a combater o estigma que impede muitas pessoas de procurar ajuda quando estão passando por algum tipo de problema”, afirma.
Guerra defende ainda um debate público amplo, que leve a “questionamentos e conscientização social”.