O MEC e o banimento dos celulares nas escolas: uma necessidade não apenas dos estudantes mas da sociedade
Renata Nandes*
O recente anúncio do Ministério da Educação (MEC), prevendo a implementação de um projeto de lei para proibir o uso de celulares nas escolas públicas e privadas de todo o Brasil, trouxe à tona uma importante discussão sobre a influência da tecnologia no ambiente educacional. A medida, segundo o anúncio do ministro Camilo Santana, é baseada em estudos internacionais que demonstram os efeitos negativos do uso excessivo de telas na concentração, no desempenho acadêmico e até na saúde mental de alunos e professores.
Mas por que é tão importante que haja uma contenção do uso dessas tecnologias, especialmente entre crianças e adolescentes? Para responder a essa pergunta, podemos recorrer à teoria freudiana e entender como os instintos e a cultura precisam encontrar um equilíbrio para que possamos formar cidadãos mais conscientes e saudáveis, tanto individual quanto socialmente.
Sigmund Freud, um dos maiores nomes da psicanálise, nos ensinou que o ser humano é movido por impulsos inconscientes, os famosos “instintos”. Dentre esses instintos, ele destacou o princípio do prazer, que nos leva a buscar satisfações imediatas. No entanto, viver em sociedade demanda que esse princípio seja constantemente moderado pelo princípio da realidade, que nos obriga a adiar ou mesmo reprimir algumas dessas satisfações em prol de um bem maior: a convivência social e o desenvolvimento pessoal.
A tecnologia, especialmente os celulares e outras telas, é uma das ferramentas modernas que oferece uma infinidade de prazeres imediatos — seja pelas redes sociais, pelos jogos ou pela infinita oferta de entretenimento. Porém, assim como no exemplo clássico da psicanálise em que uma criança precisa aprender a conter seus impulsos para se adequar à vida em comunidade, é fundamental que haja um controle sobre o uso excessivo de celulares para que os jovens possam se concentrar em tarefas que requerem esforço e disciplina, como a educação formal.
A escola, enquanto instituição formadora de indivíduos, precisa ser um local onde o princípio da realidade prevaleça. No ambiente escolar, a educação, a cultura e as normas sociais são transmitidas de maneira organizada, ajudando as crianças e os adolescentes a desenvolverem habilidades cognitivas e socioemocionais. Para Freud, esse processo educativo é parte essencial da civilização — é onde a pulsão bruta e descontrolada cede espaço ao pensamento estruturado, à disciplina e ao desenvolvimento moral.
O uso desenfreado de celulares nas escolas, como sugere o relatório da Unesco mencionado pelo MEC, interfere diretamente nesse processo de construção civilizatória. Ele dispersa a atenção dos alunos, impacta negativamente na memória e na capacidade de interpretação de textos, e prejudica a interação social face a face, que é crucial para o desenvolvimento socioemocional. Não é à toa que países como França, China e Finlândia já implementaram medidas restritivas, reconhecendo que as escolas precisam ser ambientes controlados para o florescimento intelectual e humano.
Freud também abordou em seus escritos a tensão constante entre o indivíduo e as demandas da civilização. Para ele, o progresso social e cultural só ocorre quando o ser humano aprende a controlar seus impulsos e a direcionar suas energias para atividades mais construtivas e produtivas. A proibição do uso de celulares nas escolas, portanto, não deve ser vista como uma mera restrição, mas como uma ação necessária para garantir que os jovens possam se desenvolver plenamente, tanto academicamente quanto emocionalmente.
O banimento desses aparelhos no ambiente escolar — não apenas dentro da sala de aula, mas também nos intervalos, como propõe o MEC — pode ser visto como uma tentativa de promover uma cultura onde os instintos imediatistas, como a busca por distrações digitais, são contidos em prol de algo maior: a formação de cidadãos mais atentos, criativos e engajados com o mundo ao seu redor. É uma medida que vai além da educação formal e atinge o cerne da construção de uma sociedade mais consciente e menos fragmentada pela distração digital.
Outro ponto importante da medida proposta é o impacto na saúde mental, tanto dos estudantes quanto dos professores. A constante hiperconectividade tem sido associada a transtornos como ansiedade e depressão, principalmente em jovens que ainda estão em processo de formação emocional. A medida do MEC, portanto, também busca oferecer um alívio nesse sentido, proporcionando um ambiente escolar onde as interações humanas e a atenção plena possam florescer, sem a interferência constante das telas.
Assim como Freud defendia a necessidade de sublimar nossos impulsos para atingir realizações mais elevadas, a contenção do uso de celulares nas escolas pode ser entendida como uma forma de canalizar as energias dos estudantes para atividades mais ricas e construtivas, como o aprendizado, a convivência social e o desenvolvimento de habilidades interpessoais.
O projeto de lei que visa banir os celulares das escolas, previsto para ser anunciado pelo MEC, representa mais do que uma tentativa de melhorar a atenção e o desempenho escolar. Ele reflete uma necessidade maior: a de reequilibrar o uso da tecnologia em um mundo cada vez mais digital, para que possamos garantir que as futuras gerações não fiquem à mercê de seus impulsos imediatistas. A teoria freudiana nos ajuda a entender que, para viver em sociedade e nos desenvolvermos plenamente, é necessário aprender a conter nossos instintos e priorizar a educação, a cultura e o convívio social. Nesse sentido, a medida do MEC se apresenta como um passo importante para a formação de uma sociedade mais equilibrada e consciente.
*Renata Nandes é jornalista, psicanalista e mestranda em comunicação digital