Negócios

Por falta de fiscalização, bets regularizadas sofr…

Os sites de apostas esportivas foram autorizados pelo governo federal a operar em 2018. Sem regras definidas, a maioria deles se registrou fora do Brasil, tornando desnecessária qualquer prestação de contas de suas atividades, mantendo distância da fiscalização e, apesar de faturarem bilhões de reais, bem longe dos olhos da Receita Federal. No fim de 2023, o Congresso aprovou um projeto de lei que definiu normas para a exploração do serviço. Desde janeiro, só estão autorizadas a funcionar as empresas que obedeceram a certos pré-requisitos, como estar registrada formalmente no Brasil e pagar uma outorga de 30 milhões de reais. As novas medidas devem gerar uma arrecadação extra aos cofres públicos de cerca de 580 milhões por mês apenas em impostos. Segundo o Ministério da Fazenda, antes da regulamentação havia aproximadamente 5 000 sites atuando no mercado. Com as novas exigências, esse número foi reduzido para 72 — em tese, os únicos autorizados a funcionar. Só em tese.

Na semana passada, a Secretaria de Prêmios e Apostas, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda e responsável por conduzir os processos de regulação dos sites de apostas, recebeu de entidades que representam o setor uma lista de empresas que não se adequaram às normas, não compraram a outorga, permanecem sediadas fora do Brasil e, ainda assim, continuam operando normalmente. Esses sites clandestinos, segundo o levantamento, arrecadaram perto de 1 bilhão de reais por mês sem pagar um único centavo de tributo. É um incentivo à informalidade e um problema complexo. Muitas dessas empresas estão em paraísos fiscais e funcionam, em princípio, de maneira absolutamente legal em suas bases territoriais. Difícil tirá-las do ar. Quando isso acontece, algumas voltam rapidamente para o jogo. Não há por conta disso qualquer controle sobre as operações, os apostadores não têm garantia de que receberão seus prêmios e ainda existem suspeitas de que algumas delas são usadas para lavar dinheiro do crime organizado.

ALERTA - Sites que atuam no exterior: um perigo para os apostadores (Fotos/Reprodução)

O Brasil é um dos maiores mercados do mundo para apostas esportivas. A jogatina digital movimentou mais de 100 bilhões de reais apenas em 2023, antes da regulamentação. Estima-se que 22 milhões de pessoas façam ao menos uma aposta por mês. Esse, aliás, até a regulamentação era um dos mistérios desse mercado cobiçado: praticamente tudo se baseava em estimativas. Autorizados pelo governo, os sites funcionaram durante os últimos seis anos sem nenhum tipo de auditagem. Agora, o Tribunal de Contas da União (TCU) quer descobrir por que esse vácuo legal se estendeu por tanto tempo e, principalmente, o tamanho do prejuízo que a omissão causou aos cofres públicos. Levantamentos preliminares dos técnicos estimam uma renúncia de receita acima dos 100 bilhões de reais. A conta inclui as perdas provocadas pelas empresas que passaram a operar clandestinamente após a regulamentação.

Os sites que atuam de maneira regular reclamam, com razão, da inação do governo. “Esse controle era uma das premissas do mercado regulado, mas isso não está acontecendo. Se existe uma regra, ela precisa ser cumprida. Se não for e não acontecer nada, começa a existir uma desvantagem competitiva. É concorrência desleal”, diz André Gelfi, presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), entidade que representa nove casas de apostas em atividade no Brasil. Segundo ele, as empresas, o governo e os apostadores estão sendo enganados. “Em muitos casos, esses sites são impulsionados por influenciadores digitais. A pessoa nem sabe que está apostando num espaço ilegal, inclusive correndo o risco de ser enganada, não receber eventuais prêmios e ainda não ter a quem recorrer.”

Continua após a publicidade

RECLAMAÇÃO - Regis Dudena: o Ministério da Fazenda analisa sugestões para resolver o problema
RECLAMAÇÃO - Regis Dudena: o Ministério da Fazenda analisa sugestões para resolver o problema (Washington Costa/MF/.)

O mercado formal deve movimentar 25 bilhões de reais neste ano, o que resultará em 7 bilhões de reais a mais em arrecadação de impostos. O documento encaminhado ao Ministério da Fazenda pelos empresários incluiu uma série de sugestões para enfrentar a concorrência ilegal. Uma delas, dirigida ao Banco Central, propõe punir as instituições financeiras que processam os pagamentos e recebimentos das bets ilegais. Sem elas, acreditam os representantes do setor, as operações dos sites ilegais ficariam inviabilizadas, já que elas não teriam como receber nem pagar as apostas. Outra recomendação analisada pela SPA é de criar uma metodologia de certificação para os desenvolvedores de jogos oferecidos pelas casas de apostas — outro ramo lucrativo dessa atividade. Procurado por VEJA, o secretário de Apostas, Regis Dudena, não respondeu ao pedido de entrevista. Além de apertar o cerco, fiscalizando e punindo os clandestinos, o governo poderia tentar convencer essas empresas de que a legalidade também é um excelente negócio.

Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2025, edição nº 2932

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *