Suspensão do X gera vazio existencial na geração Z. Entenda
Duas semanas após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de suspender o X, muitos internautas dizem estar perdidos sem acessar a plataforma. A rede social X, popular entre os jovens, é um espaço de interações rápidas e intensas, frequentemente usado como válvula de escape para emoções e crises de identidade. Com a suspensão, muitos da geração Z relataram uma sensação de desconexão, evidenciando a dependência emocional e psicológica desse tipo de plataforma on-line na construção de suas identidades e no sentimento de pertencimento.
Em 2 de setembro, com a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal formando maioria para referendar a decisão de Moraes, acabou a esperança de ter de volta a rede em pouco tempo.
Stephanie de Jesus, de 25 anos, conta que a suspensão da rede social a deixou em “negação”: ela pensou que o banimento não iria acontecer. Stephanie destaca que existe toda uma comunidade com a qual ela tem contato fora do Brasil e que foi onde aprendeu a desenvolver seu inglês.
“Teve um impacto imediato na minha rotina. Assim que eu acordo, normalmente e a primeira coisa que eu faço é olhar o Twitter [X] . Eu vou dormir olhando o Twitter [X], eu entro no Twitter [X] o dia inteiro. É um espaço que eu uso como meu diário, minha memória externa, meu HD. Eu estou no Twitter [X], há 13 anos, então eu uso ele para tudo: tanto para ver notícias que estão acontecendo no Brasil e no mundo quanto para seguir pessoas que eu gosto e estar dentro das novidades que eu gosto”, contou.
Sem o X, Stephanie afirma sentir solidão e até desamparo.
“Eu sentia que estava sendo amparada por pessoas, mesmo que ninguém estivesse comentando. Só o sentimento de estar naquele espaço já era suficiente”, declarou.
A estudante Isabela Cardoso, de 19 anos, da Bahia, relata sentimentos diferentes. Ela usava o X para acompanhar as notícias em tempo real ao redor do mundo e passou a sentir “falta do humor descontraído da plataforma”.
“Estou bastante insatisfeita. Além de ser um espaço onde eu podia interagir de maneira descontraída com diversas pessoas, o X também era essencial para acompanhar notícias em tempo real ao redor do mundo”, afirmou.
“Vou sentir falta do humor descontraído da plataforma, além do fato de ser uma das poucas redes sociais baseadas em texto. Há o TikTok, focado em vídeos, e o Instagram, em que a interação se dá principalmente por meio de stories e feed. O X tinha um diferencial”, conclui Isabela.
Com a suspensão, a estudante migrou para a rede social Bluesky, criada por ex-funcionários da antiga X, como alternativa.
“Escapismo fácil”
Para Giovanna de Araújo, de 25 anos, a ausência da plataforma a deixou com sentimento de atraso em relação ao noticiário político. Ela afirma não ter encontrado nenhuma forma que a agradasse para se informar.
“Fiquei estressada e irritada pela perda de uma comunidade, pois participo de fandoms e acompanhava meus artistas e colegas que gostam deles por lá. De imediato e durantes dias, fico abrindo o aplicativo sem querer, por costume, por ser uma forma de escapismo fácil”, relatou.
Giovanna contou que criou uma conta no Instagram, mas que “não é possível interagir e descobrir contas da mesma forma como o Twitter [X]” . “As pessoas ao redor que usavam o aplicativo me relatam que sentem falta de ter acesso às notícias e principalmente de poder ‘twittar’ algum pensamento que não tem onde ser despejado.”
O que dizem os especialistas?
Conforme explica o psicanalista Gabriel Hirata, as redes sociais funcionam como uma relação de pouco espaço para uma solidariedade genuína.
“As pessoas são ‘livres’ para falar e postar o que quiserem, desde que o assunto, ou a imagem, esteja relacionado a algo de valor na sociedade, de preferência o mais atualizado possível. A dinâmica dos algoritmos segue essa tendência dos assuntos mais comentados, a postagem com mais likes e compartilhamentos, os temas que engajam mais”, diz Hirata.
“Com a saída do X no Brasil, abre-se uma brecha para pensarmos, enquanto sociedade, em outras maneiras de se debater e dialogar sobre os valores que acreditamos serem inegociáveis, como a democracia, por exemplo. Isso poderá influenciar as gerações futuras a refletirem sobre como a rede social nos envolve em um tipo específico de linguagem, e que ainda estamos aprendendo a lidar com os seus efeitos”, explica o psicanalista.
Para a psicóloga Alessandra Araújo, a suspensão de uma rede social pode causar um impacto significativo na saúde mental de muitas pessoas da geração Z, conhecida por ter uma conexão intensa com o ambiente digital.
“Para muitos jovens dessa geração, as redes sociais representam não apenas um meio de entretenimento, mas também um canal essencial para socialização, expressão pessoal e construção de identidade”, diz a psicóloga. “A interrupção dessas plataformas pode gerar sentimentos de desconexão e isolamento, uma vez que boa parte das interações sociais ocorrem nesses espaços virtuais, sendo utilizadas como uma ferramenta de comunicação constante, onde muitos jovens se sentem compreendidos e encontram grupos com os quais compartilham valores, interesses e experiências.”
“Além disso, a suspensão de redes sociais pode trazer à tona sintomas de ansiedade, principalmente entre aqueles que apresentam uma dependência emocional ou comportamental das plataformas. A ausência do acesso a informações em tempo real, de validação social através de curtidas ou ‘retweets’, ou mesmo da capacidade de se expressar digitalmente pode desencadear frustrações e crises de ansiedade em jovens que se sentem desconectados de suas comunidades online. A ausência do Twitter (X) pode, em certos casos, promover um descanso mental e incentivar formas alternativas de socialização, como o retorno à comunicação presencial ou ao uso de plataformas menos competitivas em termos de aparência e validação social”, aponta Alessandra.
A psicóloga ainda destaca alguns sinais ao sentir um vazio existencial que podem aumentar após a ausência das redes sociais:
- Sentimento de Desconexão;
- Perda de Propósito ou Significado;
- Tédio Profundo;
- Ansiedade e Desorientação;
- Dificuldade em Estabelecer Conexões Reais;
- Sentimentos de Inutilidade ou Baixa Autoestima;
- Falta de Motivação.
“Esta geração cresceu em um ambiente digital, em que as plataformas de mídia social desempenham um papel central na construção da identidade, na validação social e na formação de relacionamentos. A identidade dos jovens da geração Z, muitas vezes, é moldada em grande parte pelas interações e validações que eles recebem online, seja por meio de curtidas, comentários ou a própria presença em um espaço virtual”, destacou.
Alessandra comenta que a geração pode, de certa forma, aproveitar esse momento para construir uma identidade sem depender de validações externas.
“Essa ausência também pode ser uma oportunidade para que os jovens construam uma percepção de si mesmos de maneira mais autêntica, sem depender das validações externas das redes sociais. A longo prazo, com apoio adequado, essa pausa nas interações virtuais pode encorajar um desenvolvimento mais saudável da autoestima e da identidade, baseado em experiências e relacionamentos off-line mais profundos e significativos”, conclui.