Política

Vitória de Trump vira novo motivo para divergência de Haddad e Gleisi sobre cortes de gastos


ADRIANA FERNANDES, CATIA SEABRA E MARIANNA HOLANDA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A repercussão da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos expôs, mais uma vez, as divergências entre a equipe econômica e a cúpula petista sobre o rumo da política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Enquanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) falava em cuidar da casa -expressão entendida como uma defesa da austeridade fiscal- , a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), dizia que as necessidades do povo não cabem na agenda neoliberal.

Na manhã desta quarta-feira (6), Haddad foi o primeiro da Esplanada a comentar o resultado da eleição.

Ele aproveitou a fala para dizer que o Brasil tem de cuidar das finanças, “cuidar da economia para ser o menos afetado possível, qualquer que seja o cenário externo”.

A declaração ocorre num momento em que, sob pressão do mercado, o governo prepara um pacote de medidas para conter a trajetória da dívida pública e manter o equilíbrio fiscal com a sobrevivência do arcabouço fiscal. Sem ajustes nas despesas obrigatórias, a regra fiscal está ameaçada.

Nesta quinta-feira (7), o presidente Lula tem nova reunião com a JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado de ministros responsável pelas decisões de política fiscal e orçamentárias do governo.

E uma ala do governo e do PT -da qual Gleisi faz parte- resiste a cortes em áreas sociais. Ao afirmar que a eleição de Trump representa um sinal de alerta para o campo democrático no mundo, Gleisi sugeriu “dar respostas concretas às necessidades e expectativas do povo, que não cabem na receita neoliberal que o mercado quer impor ao governo e ao país”.

O impasse vai além do pacote de revisão de gastos. Em jogo, por trás das divergências, está a disputa política sobre o caminho econômico que o presidente Lula deveria seguir para buscar a sua reeleição em 2026. Ou mesmo eleger um sucessor.

A leitura de integrantes da área econômica nesta quarta foi a de que a eleição de Trump reforça a posição de Haddad sobre a necessidade de entregar ao Congresso um pacote de medidas estruturantes de corte de despesas para enfrentar o cenário internacional mais desafiador após o resultado das urnas nos EUA.

Em sua rápida entrevista, Haddad lembrou já ter defendido cautela em virtude do cenário internacional. A declaração foi feita após o ministro ser questionado sobre o impacto da vitória de Trump na economia brasileira.

“Temos que aguardar um pouquinho e cuidar da nossa casa, cuidar do Brasil, cuidar das finanças, cuidar da economia, para ser o menos afetado possível”, disse.

“Quando nós estávamos negociando as medidas com o Congresso Nacional, eu dizia, no final do ano passado, entre novembro e dezembro, que era preciso ter muita cautela interna, em virtude do que estava acontecendo no mundo, e tentando sensibilizar o Congresso sobre as dificuldades de 2024”, afirmou.

Para Haddad, agora será preciso sensibilizar mais o Congresso porque o momento internacional é desafiador. Ele não entrou em detalhes das dificuldades que o Brasil pode enfrentar com o retorno de Trump à Casa Branca.

Auxiliares do ministro avaliam que medidas estruturantes darão mais robustez ao Brasil para apagar os ruídos sobre a sustentabilidade do arcabouço fiscal via contas públicas ajustadas.

Além disso, o mercado financeiro tem expectativa de que Haddad apresentará um pacote de ajuste fiscal positivo, aliviando as incertezas que rondam o governo Lula nesse setor.

A equipe econômica também tem alertado Lula para o perigo da alta do dólar para a inflação, o que poderia engatilhar uma espiral negativa na economia, o que poderia ameaçar a sua reeleição.

Por outro lado, o dólar em queda frente ao real, no dia do anúncio da vitória de Trump, endossou o argumento de alguns integrantes do governo de que toda a turbulência no Brasil, que levou à disparada da moeda americana, não tinha um componente relacionado à piora da política fiscal.

Para reforçar essa avaliação, ressaltam que nada mudou da semana passada em relação ao comportamento do câmbio desta quarta-feira.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, medidas mais estruturantes sofrem resistências de ministros da área social, que têm reforçado o discurso contra redução de benefícios sociais. A reação está crescendo, sobretudo por parte dos ministros do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, e da Previdência Social, Carlos Lupi. Os dois sinalizaram que rejeitam as medidas mais duras e têm procurado sensibilizar o presidente Lula.

O ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social), embora não tenha dado declarações críticas publicamente, também não é simpático a mudanças nas regras dos benefícios da sua pasta.

Há uma avaliação no governo que a eleição americana aumentou a importância deste debate no Brasil. A economia foi um dos principais pilares da campanha do republicano, que explorou a insatisfação dos americanos com sua vida financeira durante o governo Joe Biden.

Apesar de os índices macroeconômicos estarem positivos, a inflação chegou a disparar desde 2020 para os maiores valores em 40 anos.

À Folha de S.Paulo, Gleisi usou o exemplo americano para defender esforços para a economia popular.

Ela ressaltou que, no governo Biden, os indicadores econômicos eram razoáveis, mas não atenderam às expectativas do povo.

No Brasil, integrantes do governo vem se questionando desde o início da gestão Lula 3 por qual motivo a melhora nos índices não reflete numa elevação na percepção da qualidade de vida das pessoas e, em última instância, da aprovação do governo.

Lula agora está nos detalhes finais do pacote proposto pela equipe de Haddad para cortar gastos. As propostas em estudo atingem áreas caras para o petismo, como educação, saúde e assistência social.

Marcada por debates acalorados nos grupos de WhatsApp integrados por petistas, essa discussão também é alimentada pela disputa pelo comando do PT e a condução do partido nas eleições de 2026.

Defensores de Haddad alegam que as críticas à política econômica, quando vocalizadas pela presidente do PT, prejudicam o projeto político de Lula e do próprio ministro da Fazenda.

Uma outra corrente do PT argumenta que o debate interno é uma marca do partido, acrescentando que medidas hoje na mira do ministro são conquistas petistas. Apoiadores de Haddad dizem que a crítica a seu pacote abala a confiança do mercado na disposição de Lula para implementá-lo.


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